Título: Anaconda: Brasil quer bloquear contas no exterior
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 02/02/2005, País, p. A2

Governo pede ajuda de seis países para repatriar dinheiro remetido ilegalmente

O governo brasileiro está solicitando a seis países o bloqueio de bens e contas bancárias dos réus presos pela Operação Anaconda, por venda de sentenças judiciais. Até agora, a força-tarefa que investiga a quadrilha identificou imóveis e contas bancárias nos Estados Unidos, Suíça, Alemanha, Ilhas Virgens, França e Uruguai.

A existência desses bens e contas bancárias é um assunto que tem sido tratado com extremo sigilo, pois os réus, segundo os investigadores, têm procuradores no exterior para movimentar dinheiro e transferir imóveis. Ao primeiro sinal de que determinada conta foi identifica pela investigação, podem dificultar a recuperação dos ativos financeiros.

A investigação é conduzida por uma força-tarefa formada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, Ministério Público Federal, Departamento de Recuperação de Ativos, do Ministério da Justiça, Polícia Federal, Banco Central e Receita.

Os valores depositados nas contas bancárias e a avaliação dos bens ainda dependem da resposta de alguns países. Segundo os investigadores, os pedidos são feitos com base em indícios fortes da existência de dinheiro em nome de membros da quadrilha presa pela Operação Anaconda.

Os países que têm acordos de cooperação internacional, explicam os investigadores, não aceitam bloquear contas e bens sem indícios como o número da conta ou suspeita de que o bem pertença à quadrilha. O Coaf ajudou no levantamento dos números das contas e patrimônios no exterior.

Um dos investigadores envolvidos afirma que a lista de contas e bens envolve ''vários milhões de dólares'', mas que ainda não dá para fazer uma estimativa precisa.

- Não podemos confirmar valores nem dar detalhes sobre as contas nem os nomes dos titulares dos bens. Num clique de computador desse pessoal, vai todo embora - diz um dos procuradores.

Levantamento da Polícia Federal no Uruguai - feito com a colaboração da Diretoria de Inteligência da Polícia Uruguaia em Montevidéu - identificou as várias viagens do juiz federal João Carlos da Rocha Mattos a Punta del Este e Montevidéu, além da casa onde ele ficava hospedado, a ''Casita Amañecer'', que pertenceria ao próprio juiz, conforme noticiou ontem o Jornal do Brasil.

A PF também fez contatos com os responsáveis pela Casa de Câmbio Val, mencionada nos documentos recolhidos nas buscas e apreensões em endereços da quadrilha. Entre os documentos recolhidos, há dois cartões de visita em nome de Cambio Val e Enrique Briano. A documentação, segundo a PF, indica que Rocha Mattos possui cartões que indicam a procura por propriedades e casas de câmbio no Uruguai.

A PF cruzou dados de investigação de campo com as escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Em uma das escutas, o juiz Rocha Mattos e sua mulher, Norma Regina Cunha, falam em código sobre a existência de pelo menos seis imóveis em nome do casal e supostamente de sociedade com terceiros.

- João Carlos, ó, vem, vai comigo. Vem comigo! Vem comigo: flat; Ministro Godoy; Maranhão! Três! Três em São Paulo. Três em São Paulo, tá certo? Dois em Curitiba! Uma que ela já tomou e outro que ela vai tomar. Dois em Curitiba. Um em Punta del Este. Cinco, seis! - diz Norma, em uma das escutas, contabilizando a lista de imóveis.

Segundo análise feita pela PF, as conversas demonstram que Rocha Mattos e Norma têm propriedades e off-shores no Uruguai. As conversas entre o juiz e a mulher eram ríspidas, antes de o casal ir para a cadeia. Norma reclamava que só na casa de Punta del Este o ex-marido gastava US$ 4 mil para manter o imóvel e que ela teria que gastar outros US$ 12 mil. Norma reclama da quantidade de dinheiro que o casal gastou: R$ 500 mil em um ano. Ela reclama ainda que o marido está caindo em ''estelionato do Fausto'', referência a Fausto Solano, processado por crime de colarinho branco e absolvido pelo juiz, supostamente em troca da casa do Uruguai.

- Como num fala besteira? Como num fala besteira? Quais foram as últimas corrupções que deram certo? Cê conseguiu tomar dinheiro do Fausto? - questiona Norma.