Correio Braziliense, n. 20710, 04/02/2020. Política, p. 3

Nem noivado nem lua de mel

Denise Rothenburg


 

Os parlamentares sentiram um certo descaso do Poder Executivo em relação ao Congresso na reabertura dos trabalhos. E acreditam que foi de caso pensado para não levantar a bola do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que há alguns dias pediu a cabeça do ministro da Educação, Abraham Weintraub. Os congressistas vislumbram inclusive uma guerra de narrativas mais à frente pela paternidade da aprovação de medidas que possam levar à retomada do crescimento econômico. Pelo menos, foi essa a conclusão dos líderes presentes à solenidade, por causa de ausências importantes ao evento.

Em conversas reservadas, eles tratam como emblemáticas as faltas do ministro da Secretaria de Governo, Eduardo Ramos, responsável pela articulação política do Planalto, e, ainda, do líder do governo, Victor Hugo. Isso sem contar a ausência dos filhos do presidente que são parlamentares — o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) e o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). De ministros, só quatro, Onyx Lorenzoni, que levou a mensagem presidencial, e ainda, Tereza Cristina (Agricultura), Osmar Terra (Cidadania) e Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência da República).

A maioria do primeiro escalão estava em São Paulo, acompanhando a inauguração da escola militar, ontem pela manhã. À tarde, enquanto soavam os 21 tiros de canhão e a revista às tropas pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, o governo estava em visita ao Grupo Bandeirantes de Comunicação. A visita era transmitida ao vivo pela emissora, sintonizada na sala de café dos parlamentares. Um deles chegou a comentar: “Tá vendo? Se quisessem, estariam aqui. Se tem uma coisa que todo mundo sabe quando ocorre é a reabertura dos trabalhos do Legislativo”.

A própria mensagem presidencial também não teve como linha central um rosário de agradecimento aos congressistas. A primeira-secretária do Congresso, deputada Soraya Santos (PL-RJ), mal começou a leitura da mensagem presidencial e os parlamentares já sentiam no ar um certo desprezo ao Congresso, porque logo nas primeiras linhas, o presidente Jair Bolsonaro agradecia a Deus por estar vivo e aos eleitores. “Pra nós, nem um muito obrigado pela reforma”, comentava um deputado. O agradecimento viria, mas nas últimas linhas lidas pela deputada. Quem prestou atenção à leitura até o final, “Agradecemos imensamente ao Congresso Nacional por construir conosco esse novo momento. Um momento de muitos resultados positivos e de esperança para a nossa nação”.

A sensação dos políticos foi a de que o governo dá todos os sinais de que os ganhos da economia serão sempre faturados pelo presidente, deixando o Legislativo em segundo plano. Na avaliação dos congressistas, a reforma da Previdência, por exemplo, já estava na pauta da Casa e só não foi aprovada no governo de Michel Temer por causa do escândalo Joesley Batista. Temer foi inocentado, mas a confusão política impediu o governo de aprovar a reforma. Tudo terminou para esta legislatura, na qual Maia tomou para si essa responsabilidade e Bolsonaro, apesar de ter votado contra a reforma previdenciária no passado, não se opôs. Agora, dizem os parlamentares, essa guerra de paternidade vai voltar. Ontem, foi apenas o aquecimento. O clima entre governo e Congresso não é de lua de mel.