O Globo, n. 31555, 29/12/2019. Sociedade, p. 31

Sem ensino

Bruno Alfano


O Ministério da Educação (MEC) fez, em 2019, o menor gasto da década com a educação de jovens e adultos, principal estratégia para aumentar a escolarização da população que abandonou os estudos na idade escolar. Os dados são do Sistema Integrado de Operações (Siop).


A pasta só gastou R$ 16,6 milhões na área neste ano, o que corresponde a 22% do previsto (R$ 74 milhões). Para se ter uma ideia, em 2012 o montante chegou a R$ 1,6 bilhão (em valores corrigidos) —115 vezes maior do que neste ano.

Para 2020, a previsão que consta no Projeto de Lei do Orçamento Anual do governo federal é de R$ 25 milhões. O Brasil tem, segundo o IBGE, 11,3 milhões de pessoas analfabetas com mais de 15 anos, em 2018. Isso corresponde a 6,8% da população. Além disso, mais da metade (52,6%) da população com mais de 25 anos não tem ensino médio completo — este é exatamente o público da Educação de Jovens e Adultos (EJA).São70milhõesdebrasileiros. Desses, a maior parte (44 milhões) não tem nem o fundamental, 33% da população com mais de 25 anos.

— Os alunos da EJA são os primeiros a serem excluídos do mercado de trabalho. Ou seja, o governo não está investindo na população mais precária do país —diz Rita de Cassia Pacheco, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e especialista em EJA.


O MEC afirmou que quer usar parte dos recursos destinados para a EJA na reforma de escolas na educação básica. Disse ainda que executou o orçamento em transferências para institutos federais de educação.

Ainda segundo a pasta, há um núcleo na Secretaria de Educação Básica “preparando um programa dedicado a fortalecer o fomento da EJA Integrada, com diretrizes como mobilização e busca ativa (desenvolvimento de estratégias para matricular o estudante na escola); e oferta de EJA integrada (cursos que atendam às necessidades do público e do mercado de trabalho).”

“Não há, no Brasil, uma cultura da educação na fase adulta. A mãe vai no MP brigar pela vaga da filha na creche, mas não briga pela dela” — Maria Clara Di Pierro, professora da USP.

Evasão

Enquanto isso, Mara Patrícia Vianna, de 34 anos, vai parar de estudar pela terceira vez sem completar o ensino fundamental. A primeira foi aos 12 anos, para cuidar dos irmãos mais novos. No começo de 2019, decidiu voltar a tentar.

Em 2020, faria o 8º e o 9º ano, mas a escola municipal Américo dos Santos, em Queimados (RJ), onde estuda, vai fechar as portas. A mais próxima fica a 4km. 
Longe para quem tem que deixar o filho mais velho, de 14 anos, tomando conta dos outros três menores.

— Hoje, eu estudo aduas minha casa. Se acontecer alguma coisa co meles, alguém corre aqui emecham a. Mas como faço numa escola distante? — explica.

A subsecretária-executiva de Educação de Queimados, Monique Lima, afirmou que o fechamento do turno noturno da escolaéu mare formulação da rede, eque os alunos vã opara vagas ociosas em outras unidades.


— Se houvesse um programa federal, como o Projovem ou o Brasil Alfabetizado, eu conseguiria manter aquela escola aberta —diz.

Segundo Maria Clara Di Pierro, professora da Faculdade de Educação da USP e especialista em EJA, a desaceleração 
do investimento na modalidade começou em 2017, no governo de Michel Temer (MDB), quando os dois programas citados pela subsecretária de Queimados, ambos criados no governo Lula (PT), pararam de receber verba.

— Eles não foram oficialmente extintos, mas os estados e municípios pararam de receber novos recursos.

O Projovem pagava uma bolsa para estudantes da EJA e também criava condições especiais nas escolas, como espaços destinados aos filhos dos alunos. Já o Brasil Alfabetizado destinava verba para que voluntários, que não precisavam ser professores, abrissem turmas de alfabetização sob a supervisão das secretarias municipais.


— Esses programas foram importantes, mas tinham problemas. Não era o caso de extingui-los, e sim de reformulá los — diz Di Pierro. — A Comissão Nacional de Educação de Adultos tinha sugerido mudanças, mas foi extinta pelo governo Bolsonaro.

Modalidade em crise

A crise da EJA chegou este ano ao seu ponto mais crítico. Além da queda acentuada de orçamento, o MEC desarticulou as políticas da modalidade, encerrando a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), responsável por fomentar políticas para o setor em estados e municípios. A EJA acabou dividida em três secretarias diferentes.

Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretário estadual de Pernambuco, Fred Amâncio aponta que, quando a verba federal diminui, a conta aumenta para estados e municípios.

— Com isso, pode acontecer que se tenha dificuldade de manter todas as turmas abertas — afirma.

Segundo Di Pi erro, a diminuição da participação da União no fomento de oferta de vagas contribui para aqueda de 16% dos alunos em seis anos. Ela defende reformulara metodologia aplicada na EJA:

— Há um divórcio entre as necessidades e condições de aprendizagens e o modelo ofertado. As aulas ainda são muito baseadas na educação oferecida às crianças. Soma-se isso a professores mal formados, e a equação não fecha. Reformular isso é um papel da União, estados e municípios, mas depende de uma situação política e institucional mais favorável e de investimento — diz a professora da USP.

“Com a pressão por mais vagas em creche e pré-escolas, além do teto de gastos, a EJA vai perdendo recursos ao longo dos anos” — Rita Pacheco, professora especialista em EJA da UFSC.