O Globo, n. 31553, 27/12/2019. País, p. 6

Para ministros, juiz de garantias não afeta Flávio

André de Souza


Dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) ouvidos pelo GLOBO avaliam que, mesmo com a sanção pelo presidente Jair Bolsonaro para a criação do “juiz de garantias”, um único magistrado continuará cuidando dos processos penais que já estão em andamento.

Os ministros não citaram nenhum caso específico, mas, por esse entendimento, o caso do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), filho do presidente, continuaria sendo analisado pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) apura a prática de “rachadinha” no gabinete, quando Flávio era deputado estadual. A defesa do senador nega.

O pacote anticrime prevê a criação da figura do juiz de garantias, que ficará responsável por decisões tomadas ao longo do processo, como requisição de documentos, quebra de sigilos, autorização de produção de provas e prorrogação da investigação. Outro magistrado dará a sentença.

O ministro Marco Aurélio Mello afirmou ver com “bons olhos” a nova lei, mas ressaltou que ela não deve valer para casos em andamento.

— A aplicação da lei é prospectiva, não é retroativa. Ou seja, instruções já verificadas serão sentenciadas pelo juiz que já instruiu — disse.

Outro integrante da Corte ouvido pelo GLOBO tem a mesma avaliação, de que somente casos novos poderão ter dois juízes, ainda assim com algumas condições. Marco Aurélio afirmou que nem sempre será possível destinar dois juízes para cada comarca.

— Direito é acima de tudo bom senso. Por exemplo, na Amazônia, há comarcas em que você tem juiz único e a impossibilidade material de proporcionar mais de um juiz.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou ontem um grupo de trabalho para tratar do tema.

Após receber críticas por não ter vetado a criação do juiz de garantias — contrariando o ministro da Justiça Sergio Moro — o presidente Jair Bolsonaro se defendeu em live na noite de ontem,dizendo que “não pode ser escravo de todo mundo”:

— Se te prejudicar não vota mais em mim. Afinal de contas, se eu fizer 99 coisas a favor de vocês e uma contra, vocês querem mudar. Paciência, é um direito de vocês, eu sempre agi assim.

Ele ainda ameaçou a bloquear em suas páginas na internet quem fizer críticas relacionadas a sua família.

Mesmo críticos do juiz de garantias reconhecem avanços em outros pontos do projeto anticrime. Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Fábio George Cruz da Nóbrega, há medidas importantes no pacote.

— O conjunto de medidas, em si, reforça o sistema acusatório. (Traz) a divisão de missões muito clara entre investigado e acusado. Traz um reforço ao sistema que é bastante positivo. No conjunto, as mudanças são relevantes. 

Presidente da bancada da bala, o deputado Capitão Augusto (PL-SP), também faz elogios ao texto.

— Foi o maior pacote sobre o crime organizado desde a Constituinte. Há grandes avanços, como o endurecimento da legislação penal, vários ingredientes novos, como a questão do banco genético, que é importantíssimo para nós, também o banco balístico. Além disso, o aumento do cumprimento de pena de 30 para 40 anos.

Para o ministro do STF Alexandre de Moraes, uma das principais inovações é criação de mecanismos legais que dificultam a ação de facções criminosas. “Com a publicação da nova legislação, o Judiciário poderá revolucionar o combate ao crime organizado, com a rápida aplicação de penas alternativas para os crimes leves, sem violência ou grave ameaça, e a instalação de Varas Colegiadas envolvendo a criminalidade organizada violenta”, escreveu o ministro no Twitter.