Correio Braziliense, n. 20663, 19/12/2019. Política, p. 2

MP põe Flávio Bolsonaro na mira
Renato Souza
Luiz Calcagno


O Ministério Público do Rio de Janeiro deflagrou, ontem, uma operação para cumprir mandados de busca e apreensão contra o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O parlamentar é suspeito de ter criado um esquema de “rachadinha” em seu gabinete quando era deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). A suspeita é de que seus assessores, na época, repassavam parte do salário para o senador. Ao quebrar o sigilo bancário dos envolvidos, os investigadores descobriram que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, recebeu mais de R$ 2 milhões por meio de 483 depósitos realizados por pessoas indicadas pelo parlamentar para ocuparem cargos na Alerj. A maior parte dos valores foi repassada por meio de depósitos em espécie. Mas pelo menos 30% do montante teria sido transferido por meio de cheques.

A defesa de Flávio informou que ainda não teve acesso aos autos e criticou as buscas. “Recebemos a informação sobre as novas diligências com surpresa, mas com total tranquilidade. Até o momento, a defesa não teve acesso à medida cautelar que autorizou as investigações e, apenas após ter acesso a esses documentos, será possível se manifestar. Confirmo que a empresa do meu cliente foi invadida, mas garanto que não encontrarão nada que o comprometa. O que sabemos até o momento, pela imprensa, é que a operação pode ter extrapolado os limites da cautelar, alcançando pessoas e objetos que não estão ligados ao caso”, afirmou, em nota, o advogado Frederick Wassef, que defende o senador.

Na decisão que autoriza as buscas e apreensões, o juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Rio, autorizou o Ministério Público a quebrar o sigilo telefônico e telemático dos alvos da operação para colher provas de um suposto esquema. Também foram cumpridos mandados contra a ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, Ana Cristina Siqueira Valle, além de um irmão dela, primos e outros parentes. As ações fazem parte da investigação sobre movimentações atípicas na conta do ex-assessor Fabrício Queiroz. A suspeita é de que 74 funcionários do gabinete de Flávio enviavam parte de suas remunerações a ele.

Ana Cristina é mãe de Jair Renan, filho mais novo do presidente da República. Nem o jovem nem o pai dele são investigados no inquérito. As diligências chegaram a ficar paradas por ordem do ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em julho, Toffoli determinou o congelamento das investigações que utilizavam dados financeiros detalhados de órgãos de controle sem autorização da Justiça. O magistrado atendeu a um pedido da defesa de Flávio. No mês passado, a maioria dos ministros da Corte entendeu que não deve haver restrições para o intercâmbio desse tipo de informações entre órgãos como a Receita Federal e o Banco Central, com entes de investigação, como o MP e a Polícia Federal. Com isso, as investigações relacionadas ao parlamentar, que ficaram paradas por meses, voltaram a andar.

Queiroz afirmou, assim que o caso veio à tona, que o dinheiro movimentado teve origem na venda de automóveis. Flávio Bolsonaro nega envolvimento com qualquer irregularidade (veja nota da defesa abaixo). Ana Cristina ainda não se manifestou sobre o caso. Na decisão que autoriza o cumprimento dos mandados, o juiz permite “acesso à extração de qualquer conteúdo armazenado nos materiais apreendidos, inclusive registros de diálogos telefônicos ou telemáticos, como mensagens SMS ou de aplicativos WhatsApp”. A coleta de mensagens e ligações deve esclarecer informações relevantes sobre o caso e pode implicar o envolvimento de outras pessoas.

De acordo com parecer do Ministério Público, os repasses em espécie têm como foco não deixar pistas e dificultar o rastreio do dinheiro pelas autoridades. “Essa predominância de transações em dinheiro vivo na conta-corrente de Fabrício Queiroz não decorre de acidente, nem de mera coincidência. Pelo contrário, essa incomum rotina de depósitos em espécie seguidos de saques também em dinheiro na mesma conta decorre de uma opção deliberada do operador financeiro, com o propósito específico de tentar não deixar rastros no sistema financeiro acerca da origem e do destino dos recursos que transitaram pela conta de sua titularidade, os quais passaram então a circular por fora do sistema financeiro”, aponta um trecho do relatório.

Ontem, no fim da tarde, Flávio Bolsonaro esteve com o pai, no Palácio da Alvorada, num encontro fora da agenda. Nenhum dois dois deu declarações.

Operação alcança loja

Um dos endereços da operação de busca e apreensão contra o senador Flávio Bolsonaro foi uma loja de chocolates na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (RJ). O estabelecimento, registrado como Bolsotini Chocolates e Café, que pertence ao senador, fica em um shopping da região. Os advogados do filho do presidente da República confirmaram a ação, que ocorreu no início da manhã. O estabelecimento foi inaugurado em março de 2015, quando Flávio era deputado estadual. Seu então assessor, Fabrício Queiroz, bem como o presidente Jair Bolsonaro, à época, deputado federal, participaram do evento. O endereço da loja foi incluído entre os locais que seriam alvos de busca no pedido de quebra de sigilo bancário enviado pelo Ministério Público à Justiça.

De acordo com a prestação de contas de Flávio, protocolado na Justiça Eleitoral de 2018, em razão de sua candidatura ao Senado, ele seria proprietário de 50% do estabelecimento. A suspeita de investigadores é que parte do dinheiro desviado de suposta rachadinha no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio passava pelo estabelecimento.    

A reportagem do Correio tentou contato com a loja. O principal telefone do estabelecimento, divulgado na internet, na verdade, é o do gabinete do deputado estadual Filippe Poubel (PSL). Em outro número, um funcionário atendeu e informou que o estabelecimento estava funcionando normalmente e que não tinha autorização para passar telefones ou conversar com a imprensa. (RS e LC)

Acusações

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) disse ontem que a sociedade precisa ser esclarecida sobre as operações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro. Ele afirmou que “existem recursos financeiros de Fabrício Queiroz nas contas de Michele Bolsonaro”, referindo-se a um depósito de R$ 40 mil feito por Queiroz em favor da primeira-dama, apontado no início das investigações. À época, o presidente Jair Bolsonaro explicou que se tratava do pagamento de um empréstimo. As declarações do deputado foram dadas em entrevista ao CB.Poder, programa em parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília.