Correio Braziliense, n. 20663, 19/12/2019. Mundo, p. 16

Aposta no Senado para salvar Trump
Rodrigo Craveiro


Não houve surpresas. De maioria democrata, a Câmara dos Representantes transformou o republicano Donald Trump no terceiro presidente da história dos Estados Unidos a responder a um processo de impeachment, unindo-se a Andrew Johnson (1868) e a Bill Clinton (1998). Após mais de 12 horas de debates, os deputados aprovaram a abertura do julgamento político em votações separadas para dois artigos. Às 22h34 (hora de Brasília), a Câmara considerou Trump culpado de abuso de poder — 230 deputados votaram pela condenação, 197 o inocentaram e houve apenas uma abstenção (eram necessários 216 para a maioria absoluta). Dezessete minutos depois, o plenário chegou a um veredicto sobre a acusação de obstrução do Congresso. Trump sofreu nova derrota: 229 votos a 198 e uma abstenção.

Como os governistas controlam 53 dos 100 assentos no Senado, a remoção do magnata do Salão Oval da Casa Branca dependeria de os democratas convencerem 20 senadores republicanos a votarem a favor de uma das duas acusações contra Trump. A destituição exige dois terços dos votos, ou 67 senadores. O julgamento no Senado terá início em 6 de janeiro e deve durar algumas semanas. Ao contrário do impeachment no Brasil, o presidente dos EUA não é afastado temporariamente do cargo enquanto o processo transcorre. No centro das acusações, está um telefonema do americano ao colega ucraniano, Volodymyr Zelensky, em 25 de julho passado. Na ligação, o republicano pediu ao europeu que investigasse o ex-vice-presidente Joe Biden, potencial rival nas eleições de 2020, e o filho Hunter por corrupção. Os democratas suspeitam que a Casa Branca condicionou ajuda de US$ 400 milhões a esse inquérito.

No momento em que os congressistas da Câmara votavam pelo impeachment, o presidente participava de um comício em Battle Creek (Michigan), de olho na reeleição em 2020. “Nós temos um tremendo apoio dos republicanos, como nunca antes”, declarou, desafiador, após saber do resultado. Horas antes, no Twitter, denunciou “mentiras atrozes” da esquerda radical. “Este é um ataque à América, e um ataque ao Partido Republicano.”

Em entrevista ao Correio, Michael Gerhardt —  professor de direito constitucional da Universidade da Carolina do Norte — disse ser prematuro avaliar o impacto do impeachment nas próximas eleições. “Nas votações de hoje (ontem), os democratas estiveram quase todos unidos como os republicanos. Tudo o que sabemos é que o presidente continuará a usar a provável absolvição no Senado para manter a base eleitoral energizada. Mas, a história será dura para ele. Não importa quantas vezes ele diga que o impeachment é uma farsa partidária, as evidências mostram que ele solicitou ajuda estrangeira nas próximas eleições e que suas recusas em larga escala em obedecer às intimações são claramente ilegais”, observou. Gerhardt foi um dos três especialistas convidados pelos democratas a depor no Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes, em 4 de dezembro. Ele assegura que não há qualquer indicação de que os senadores republicanos votem pela condenação e pela remoção de Trump.

Sem escolha

Ao iniciar as discussões, a democrata Nancy Pelosi, líder da Câmara dos Representantes, fez um pronunciamento à imprensa e disse que “abrir solenemente e tristemente o debate sobre o impeachment”. “A visão de nosso fundadores de uma república está sob ameaça dos atos da Casa Branca. Se não agirmos agora, estaremos abandonados em nossos deveres”, advertiu. “É trágico que as ações imprudentes do presidente tornem necessário o impeachment. Ele não nos deu escolha.” De acordo com Pelosi, “é fato que o presidente representa uma ameaça contínua à nossa segurança nacional e à integridade de nossas eleições — a base da nossa democracia”.

O deputado opositor Sean Patrick Maloney advertiu que o impeachment “se arrastaria atrás de Trump ao longo das páginas da história”, como se fosse uma “lata amarrada à sua perna”. Por sua vez, o republicano Russ Fulcher utilizou o seu tempo de retórica para protestar em silêncio. Outro republicano, Barry Loudermilk apelou à figura de Jesus Cristo para defender o mandatário. “A uma semana do Natal, quero que vocês tenham isso em mente: quando Jesus foi falsamente acusado de traição, Pôncio Pilatos lhe deu a oportunidade de enfrentar seus acusadores. Durante aquele falso julgamento, Pilatos concedeu mais direitos a Jesus do que os democratas concederam a esse presidente nesse processo”, comparou. “Nunca em todos os meus anos de serviço nesta grande instituição eu esperava encontrar um erro tão óbvio de um presidente dos EUA”, disparou o deputado democrata Steny Hoyer.

Frase

"A visão de nossos fundadores de uma república está sob ameaça dos atos da Casa Branca. Se não agirmos agora, estaremos abandonados em nossos deveres. É trágico que as ações imprudentes do presidente tornem necessário o impeachment. Ele não nos deu escolha. Hoje, estamos aqui para defender a democracia para o povo. Deus abençoe a América.”

Nancy Pelosi, democrata, presidente da Câmara dos Representantes

Eu acho...

“O impeachment de Trump marcará seu legado para sempre, e ele tentará impor sua própria narrativa em relação a esses eventos. Não acho que a história será gentil com o republicano.”

Michael Gerhardt, professor de direito constitucional da Universidade da Carolina do Norte e uma das testemunhas a depor no Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes, em 4 de dezembro, a convite dos democratas