O Estado de S. Paulo, n. 46136, 10/02/2020. Metrópole, p. A8
 

Acusado de chefiar milicianos, Capitão Adriano é morto pela polícia na Bahia
Caio Sartori 
Ricardo Galhardo


 

Apontado como chefe da milícia Escritório do Crime, o ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega – conhecido como capitão Adriano – foi morto ontem em troca de tiros com a polícia, em Esplanada (BA). Ele estava escondido no sítio de um vereador do PSL. O Escritório do Crime é investigado por organizar esquemas de grilagem na zona norte do Rio e por ligação com os assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorridos em março de 2018.

Foragido há 14 meses, Nóbrega também foi citado em apuração sobre o suposto esquema de “rachadinha” no gabinete que o senador Flávio Bolsonaro mantinha na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Segundo relatório do Ministério Público, ele ficava com parte do salário que sua mãe e sua mulher recebiam por trabalhar no escritório do filho do presidente Jair Bolsonaro, que, na época, era deputado estadual. As duas teriam sido contratadas pelo assessor parlamentar Fabrício Queiroz, investigado por lavagem de dinheiro e amigo de Nóbrega.

Ele era procurado pela Justiça por um mandado de prisão expedido em janeiro de 2019 na Operação Intocáveis, que investigou um esquema de grilagem de terras na região de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio de Janeiro. Outras 12 pessoas que seriam ligadas à mesma milícia do capitão Adriano estão presas por acusações de compra, venda e aluguel irregular de imóveis; cobrança irregular de taxas de moradores; extorsão e receptação de mercadoria roubada.

O Ministério Público do Rio informou ontem que monitorava havia mais de um ano “a rede de proteção e os possíveis paradeiros” do miliciano. Ao descobrir que ele poderia estar na Bahia, pediu ajuda ao MP baiano. Dois policiais do Rio acompanharam ontem o cumprimento do mandado de prisão. Segundo fontes da polícia baiana, porém, os policiais fluminenses não participaram da troca de tiros.

Esconderijo. Em 31 de janeiro, investigadores fizeram buscas numa mansão na Costa do Sauípe, no litoral da Bahia, após receberem informação de que o suspeito estaria em um condomínio fechado com a família. Lá, encontraram documentos falsos de Nóbrega. O miliciano fugiu antes da chegada dos policiais.

Ontem de manhã, ele foi encontrado em uma propriedade rural em Esplanada. Segundo informações da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, o suspeito trocou tiros com os policiais e foi baleado. Nóbrega chegou a ser levado a um hospital, mas não resistiu. Segundo os policiais, na casa onde capitão Adriano se escondia foram achados 13 celulares e quatro armas, entre elas uma pistola austríaca calibre 9 milímetros.

A polícia da Bahia quer saber, agora, quem deu apoio a Nóbrega nos últimos dias. As investigações devem mirar, entre outros pontos, o sítio onde capitão Adriano se escondeu, que pertence ao vereador Gilsinho da Dedé (PSL). Procurado, ele negou ligação com o capitão e disse ter ficado surpreso: “Nunca nem vi esse homem”. Dedé disse não saber como o miliciano foi parar em sua propriedade e sugeriu que ela tenha sido invadida.

Políticos também pressionam os órgãos de segurança a esclarecer a situação da morte. A Executiva Nacional do PSOL vai pedir uma audiência com a Secretaria de Segurança Pública da Bahia para cobrar resultados. Segundo o partido, ele “era peça chave para revelar os mandantes do assassinato de Marielle e Anderson”. Embora não tenha sido acusado formalmente pela morte de Marielle, Adriano é apontado como chefe da milícia Escritório do Crime, da qual faria parte um dos denunciados pelo assassinato, o também ex-PM Ronnie Lessa. Nóbrega prestou depoimento em 2018 e negou envolvimento com o caso Marielle.

A viúva da vereadora, Mônica Benício, cobrou ontem providências do ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro. Ao compartilhar a notícia da morte, ela escreveu “Moro, cadê o Queiroz”, em referência a Fabrício Queiroz, que trabalhou com Nóbrega no batalhão de Jacarepaguá da PM. Os dois respondem, juntos, a uma acusação de homicídio, que registraram como “auto de resistência”, quando um suspeito reage a abordagem da polícia. O caso não foi solucionado.

Prisões. Nóbrega foi preso três vezes e expulso da PM do Rio em 2014, acusado de atuar como segurança de um contraventor. Uma das prisões aconteceu em 2004, quando ele foi detido com dez pessoas, acusado pelo homicídio de um guardador de carros. Ele foi condenado a 19 anos de prisão pelo Tribunal do Júri, mas, em 2006, desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio anularam a condenação e determinaram a realização de um novo julgamento. Nóbrega deixou a prisão e foi absolvido.

Ele foi homenageado duas vezes por Flávio Bolsonaro. Em outubro de 2003, o então deputado estadual apresentou moção de louvor ao PM, pela “dedicação, brilhantismo e galhardia” do profissional. Três meses depois, em janeiro de 2004, enquanto estava detido, recebeu a Medalha Tiradentes honraria mais alta do Legislativo do Rio, também por requerimento de Flávio.

Na última etapa da investigação sobre a “rachadinha” no gabinete de Flávio, o MP do Rio apresentou à Justiça conversas de WhatsApp entre o capitão Adriano e sua ex-esposa, Danielle da Nóbrega, que era funcionária do gabinete do filho do presidente. Nos diálogos, o miliciano afirmava que se beneficiava do suposto esquema de “rachadinha”. Danielle e a mãe de Adriano, Raimunda Magalhães, foram exoneradas por Flávio quando a investigação se tornou pública.

No esconderijo

13

Celulares foram encontrados na casa onde capitão Adriano estava escondido, em Esplanada, na Bahia, segundo a polícia.

4

Armas foram apreendidas.  

 Investigações

Grilagem

Em janeiro de 2019, o Ministério Público do Rio denunciou 13 pessoas acusadas de atuar num esquema de grilagem em bairros da zona oeste do Rio, como Rio das Pedras e Muzema. Os suspeitos também seriam responsáveis por venda e locação de imóveis irregulares e por extorquir moradores. Apenas Adriano Magalhães da Nóbrega, não havia sido localizado ainda.

Marielle Franco

A vereadora do PSOL foi assassinada em 14 de março de 2018. Nóbrega chegou a prestar depoimento, mas nunca foi acusado formalmente pelo crime. Ele é apontado como líder do grupo Escritório do Crime, do qual faz parte um dos denunciados, o também ex-PM Ronnie Lessa. 

‘Rachadinha’ na Alerj

A ex-mulher de Nóbrega trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro de setembro de 2007 a novembro de 2018, junto com sua sogra. Em conversas telefônicas interceptadas pelo MP, capitão Adriano indica que ficava com parte do salário delas. Ele era amigo de Fabrício Queiroz.