Correio Braziliense, n. 20663, 19/12/2019. Política, p. 4

Fundo eleitoral da discórdia
Jorge Vasconcellos


Parlamentares do PT e do PSL criticaram o presidente Jair Bolsonaro por ele ter citado os dois partidos como justificativa para um possível veto ao fundo eleitoral de R$ 2 bilhões. Aprovado pelo Congresso, na terça-feira, durante votação do projeto de lei do Orçamento Anual da União (Ploa) para 2020, o dinheiro serve para custear as despesas das legendas durante as campanhas eleitorais. Segundo as regras atuais, PT e PSL, por terem eleito as maiores bancadas de deputados federais em 2018, têm direito às maiores fatias desse recurso.

Bolsonaro abordou o assunto ontem, ao conversar com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada. “O PT vai ganhar R$ 200 milhões para fazer campanha no ano que vem. Aquele pessoal do PSL lá, que mudou de lado, também vai pegar R$ 200 milhões. Se quer fazer material de campanha caro, não vou ajudar esse cara, pronto”, sinalizou o presidente.

Para a deputada Erika Kokay (PT-DF), o presidente estaria se utilizando do cargo para atender “a interesses pessoais” e prejudicar adversários políticos. Ela também lembrou que foi do próprio Executivo a proposta para que o fundo eleitoral reservasse R$ 2 bilhões para as eleições municipais de 2020.

“O valor do fundo para o próximo ano é o valor que foi encaminhado pela Presidência da República. Portanto, o presidente está dizendo que vai vetar uma proposição que ele mesmo fez. Não cabe uma pessoalidade e muito menos uma tentativa de dificultar ou impedir que adversários políticos possam disputar uma eleição”.

Para o deputado federal Júnior Bozzella (PSL-SP), que faz parte do grupo do partido contrário a Bolsonaro, o presidente não fala a verdade quando acusa o partido de ter mudado de lado. “O PSL se mantém fiel às bandeiras assumidas durante a campanha eleitoral, as mesmas bandeiras do atual presidente da República. É inadmissível que o presidente da República utilize a caneta para prejudicar desafetos. Isso fere o princípio da impessoalidade que deve nortear o exercício do cargo de presidente”.

Bozzela também ressaltou que os parlamentares do PSL tentaram reduzir o valor do fundo, durante a tramitação da proposta orçamentária no Congresso. “Com base nas bandeiras que defendemos na campanha, nós, do PSL, propusemos reduzir para R$ 1,3 bilhão, enquanto o governo propunha R$ 2 bilhões”.

Enrico Ribeiro, Cientista Político e Coordenador Legislativo da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, afirmou que, além de violar o princípio da impessoalidade no cargo que exerce, Bolsonaro ataca uma regra eleitoral que disciplinou o acesso dos partidos aos recursos públicos.

“Deixa caracterizada justamente essa questão de utilizar o cargo para atacar os adversários. O fundo partidário pode ter os seus problemas, mas acho que o presidente deixou bem clara uma violação ao princípio da impessoalidade”.

Segundo Enrico, a forma como o fundo eleitoral é constituído é um jeito de se tentar impedir a criação de partidos que vão usufruir dos recursos públicos sem ter disputado uma eleição.

“Por exemplo, em 2013 ou 2014, houve aquela corrida pela criação de vários partidos. O PMB, Partido da Mulher Brasileira, que chegou a ter uma das maiores bancadas na Câmara, foi criado somente para captar recursos, não tinha bandeira nenhuma. Depois acabou sendo esvaziado, e o dinheiro foi levado para outro partido”, lembrou, observando que as regras do fundo eleitoral ajudam a bancar os custos da democracia, que são altos.

O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) é destinado “ao financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos”, conforme definição do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foi criado em 2017 pela Lei 13.487, depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir, em 2015, doações de pessoas jurídicas a legendas e candidatos. A distribuição dos recursos, segundo as regras vigentes, favorece os partidos que elegem as maiores bancadas de deputados federais — o que faz com que PT e PSL, cada um com 53 representantes na Câmara, tenham direito às maiores parcelas.

Normas do TSE

Como é feita a divisão do dinheiro:

» I – 2% são divididos entre todos as legendas com registro no TSE;

» II – 35% são divididos entre os partidos que tenham ao menos um representante na Câmara dos Deputados;

» III – 48% são distribuídos entre as agremiações na proporção de suas bancadas na Câmara;

» IV – 15% são divididos entre as siglas na proporção das cadeiras que têm no Senado.