Correio Braziliense, n. 20635, 21/11/2019. Política, p. 4

Toffoli: limite a repasse de dados

Renato Souza
Augusto Fernandes


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, votou, ontem, no plenário da Corte, contra o compartilhamento de informações da Receita Federal com órgãos de fiscalização. O Fisco não poderá, no entendimento do magistrado, enviar documentos completos, como extratos bancários e declarações de Imposto de Renda, sem prévia autorização judicial. Ele se disse favorável, porém, ao repasse de dados da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), antigo Coaf, a entidades como o Ministério Público Federal e a Polícia Federal, mas ressaltou que as informações não podem ser fornecidas sob demanda. Ou seja, o órgão investigador não pode solicitar, sem autorização judicial, a informação relativa a uma pessoa específica, mas apenas iniciar diligências quando recebe, de forma espontânea, uma comunicação de movimentação suspeita. Falta, ainda, o voto de 10 ministros. O julgamento será retomado hoje à tarde.

Toffoli é o relator de um recurso apresentado na Corte sobre o tema, e o voto dele é importante para nortear o entendimento dos demais integrantes do plenário. No entanto, até mesmo colegas da Corte ficaram confusos. O ministro Luís Roberto Barroso questionou a clareza do voto: “Tem que trazer um professor de javanês”, afirmou, numa referência ao livro O Homem que sabia javânes e outros contos, de Lima Barreto. Nos bastidores, ministros avaliaram que, até o fim do julgamento — se o voto de Toffoli prevalecer —, diversos marcos devem ser criados para evitar confusão nas instâncias inferiores. O voto do presidente do STF foi tão pouco claro que, após a sessão, ele enviou esclarecimentos à imprensa.

De acordo com a manifestação do ministro, em plenário, a UIF pode repassar apenas dados globais, ou seja, de movimentações anuais em contas bancárias, por exemplo, e não de transações detalhadas. Além disso, as informações podem embasar a abertura de investigações, mas não servir como prova em um processo. “O Coaf pode, sim, compartilhar informações, mas ele é uma unidade de inteligência, o que ele compartilha não pode ser usado como prova. É um meio de obtenção de prova, assim como a colaboração premiada. A colaboração premiada, por si só, não prova nada”, argumentou.

Toffoli também se justificou sobre ter solicitado à Receita dados fiscais de 600 mil contribuintes. A decisão foi revertida posteriormente, após o recebimento de informações solicitadas ao Fisco. “Quem aqui é contra o combate à lavagem de dinheiro? Temos de acabar com essas lendas urbanas, com caluniadores”, disse ele, em referências às críticas que recebeu.

MPF

No caso da Receita Federal, apesar de vetar o repasse de declaração do Imposto de Renda e de extratos bancários sem o aval da Justiça, o ministro não se opõe ao fornecimento de dados cadastrais, como nome, CPF e renda, sem a necessidade de autorização judicial.

O entendimento de Toffoli vai em desacordo com a manifestação do Ministério Público. O procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia que restrições no intercâmbio das informações podem gerar graves danos à investigação criminal pelo país. No plenário do Supremo, ontem, ele defendeu que não há necessidade de prévia autorização judicial para que haja o compartilhamento de dados fiscais sigilosos entre órgãos fiscalizadores e as entidades de investigação.

Para o PGR, o repasse de informações fiscais é importante para o combate ao crime organizado e à corrupção. O chefe do MP lembrou que órgãos fiscalizadores de mais de 180 nações no mundo enviam as informações a entidades de investigação sem autorização de um magistrado. “Esse sistema opera em 184 países, e o Brasil necessita respeitar esse sistema, porque não são só os aspectos de combate à lavagem de capitais, não é só a lei anticorrupção, que está em causa, é também a credibilidade do sistema financeiro brasileiro, é um momento crucial para o crescimento econômico do país, que mantenhamos a estrutura da segurança jurídica também para essas relações econômicas tão relevantes”, ressaltou.

Flávio Bolsonaro

Em julho, Toffoli determinou o congelamento das investigações que utilizam dados financeiros detalhados sem autorização da Justiça. O magistrado atendeu a um pedido da defesa do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). O parlamentar é alvo de uma investigação, no Rio de Janeiro, pela suposta prática de rachadinha, em que teria recebido parte do salário de assessores quando era deputado estadual. “Aqui não está em julgamento, em nenhum momento, o senador Flávio Bolsonaro”, refutou Toffoli, na sessão de ontem. “É bom afastar essa lenda urbana.”