Correio Braziliense, n. 20662, 18/12/2019. Mundo, p. 12

O destino de Trump começa a ser traçado
Rodrigo Craveiro


A poucas horas da votação na Câmara dos Representantes e ante a probabilidade de se tornar, hoje, o terceiro presidente dos Estados Unidos a responder um processo de impeachment, o republicano Donald Trump declarou ter “zero” responsabilidade pelos crimes de abuso de poder e obstrução do Congresso. O magnata enviou carta de seis páginas à democrata Nancy Pelosi, líder da Câmara, em que denuncia uma cruzada partidária de impeachment e a subversão da democracia norte-americana. “Vocês são aqueles a obstruírem a Justiça, a trazerem dor e sofrimento à nossa República, em troca de seu ganho pessoal, político e partidário. Ao prosseguirem com o impeachment inválido, vocês violam seus juramentos, rompem a lealdade à Constituição, e declaram guerra aberta à democracia dos EUA”, afirmou  Trump na mensagem (leia nesta página), que exortou Pelosi a suspender o processo.

O jornal The Washington Post assegurou, ontem, que os democratas da Câmara têm votos suficientes para aprovar ao menos um dos dois artigos de impeachment. Segundo pesquisa feita pela publicação, 217 deputados apoiam a condenação em pelo menos um artigo, 16 preferiram não se pronunciar e 198 disseram se opor.

Até o fechamento desta edição, dois deputados democratas anunciaram que não avalizariam a abertura do processo de impeachment: Collin Peterson (Minnesota) e Jeff Van Drew (Nova Jersey). “O impeachment vai fraturar ainda mais o país. Ele tornará as pessoas ainda mais irritadas umas com as outras, e nós teremos uma eleição em 10 ou 11 meses”, justificou-se Van Drew. Os republicanos e democratas debateram, ontem, os detalhes técnicos da votação no plenário da Câmara.

A acusação de abuso de poder envolve uma solicitação de Trump para que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, investigasse seu potencial rival nas eleições de 2020, o ex-vice Joe Biden. Em contrapartida, Washington ofereceria ajuda militar milionária a Kiev. Em relação ao crime de obstrução do Congresso, o magnata teria buscado bloquear as investigações, ao impedir assessores de prestarem depoimento.

O senador republicano Mitch McConnell rejeitou ontem um pedido do colega Chuck Schumer, líder  democrata no Senado, para a convocação de testemunhas-chave da Casa Branca — o chefe de gabinete, Mick Mulvaney, e seu assessor, Robert Blair; e o ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton.

Para Joshua Dressler, professor  de direito da Universidade Estadual de Ohio, a decisão de McConnell não causa surpresa. “Ele declarou publicamente que estaria em coordenação com Trump. De qualquer forma, é uma manobra muito inapropriada. Em um julgamento de impeachment, ambos os partidos deveriam ter a autorização para convocar testemunhas relevantes”, disse ao Correio. O especialista acredita que Trump “certamente será acusado pela Câmara”. “Isso representará uma mácula em seu governo, mesmo que seja absolvido pelo Senado” (onde os republicanos são maioria). “Trump explicará o impeachment como um ataque injusto por parte de inimigos. Na realidade, isso mostra uma atuação imoral e ilegal do chefe de Estado.”

“Caso poderoso”

Historiador e professor da American University (em Washington), Allan Lichtman considera “inevitável” a impugnação de Trump em ambos os artigos de impeachment votados pelo Comitê Judiciário da Câmara. “O caso contra ele é poderoso, ética, moral e constitucionalmente, não importa o quanto ele possa criticar o impeachment. Independentemente do que ocorra no Senado, isso será uma marca obscura em seu legado. Os crimes de Trump na Ucrânia continuam com o seu advogado, Rudy Giuliani, mesmo depois da votação do Comitê Judiciário”, explicou.

A previsão é de que o julgamento no Senado ocorra em janeiro. Nas condições políticas atuais, Trump seria absolvido na Câmara Alta do Congresso: seriam precisos pelo menos 67 votos para removê-lo do cargo, e os republicanos ocupam 53 dos 100 assentos. Especialistas consultados pelo Correio (leia Pontos de vista) foram unânimes em descartar a condenação por parte dos senadores. Donald Trump espera tirar proveito eleitoral do processo de impeachment. Na noite de ontem, ele publicou uma pesquisa feita pelo jornal USA Today e pela Universidade Surfolk na qual ele venceria quaisquer um dos cinco principais adversários, inclusive Joe Biden.

Sem doçura e sem afeto

O presidente norte-americano, Donald Trump, enviou uma carta à líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, em que denuncia a perseguição dos democratas por meio da investigação de impeachment. O republicano comparou o processo ao qual é submetido ao julgamento das bruxas de Salem. Trump acusou Pelosi de retratar uma “falsa demonstração de solenidade” durante o processo de impeachment. Em seis páginas, ele classifica como “maldosas” as ações da congressista e baseadas em afrontas pessoais. Segundo o republicano, Pelosi violou o próprio juramento. “Você está ofendendo os americanos de fé, dizendo continuamente ‘Eu rezo pelo presidente’, quando você sabe que essa afirmação não é verdadeira, a menos que seja em sentido negativo.” Na foto, a deputada republicana Debbie Lesko lê cópia da carta de Trump.

Na mira do Congresso

Quem foram os chefes de Estado norte-americanos ameaçados de impeachment ou acusados pela Câmara dos Representantes

Andrew Johnson

Processo de impeachment em 24 de fevereiro de 1868

» Por violar uma lei federal durante a destituição de seu secretário de Guerra.

» Absolvido pelo Senado, mas perdeu o apoio de seu partido e não pôde se candidatar nas eleições seguintes.

Richard Nixon

Ameaçado de impeachment

» Por obstrução da Justiça, abuso de poder e obstruir o Congresso sobre o caso de espionagem do Partido Democrata conhecido como Watergate.

» Renuncia em 9 de agosto de 1974 antes da votação para iniciar o processo de destituição no Congresso.

Bill Clinton

Processo de impeachment em 19 de dezembro de 1998

» Por mentir sob juramento perante o Supremo Tribunal Federal e obstrução da Justiça.

» Absolvido pelo Senado, permanece no cargo até o fim de seu mandato, em 2001.

Donald Trump

Ameaçado de impeachment

» Por abuso de poder, corrupção, por obstruir o trabalho do Congresso. Acusado de ter pressionado a Ucrânia para que investigue Joe Biden, seu principal rival democrata nas próximas eleições.

» A Câmara deve votar o impeachment hoje.

Pontos de vista

Por Keith E. Whittington

Acusação certeira

“O presidente Donald Trump será claramente acusado pela Câmara dos Representantes. Nesse ponto, trata-se apenas de uma questão de quanto tempo vai durar o debate no plenário. Atualmente, parece muito improvável que a Câmara convencerá um número suficiente de republicanos para condenar o presidente. Eu suspeito que é mais provável que democratas no Senado votem pela absolvição.”

Professor de política da Universidade de Princeton

Por Joshua Dressler

Sem chance de remoção

“Não acho que exista qualquer possibilidade séria de Trump ser removido. Eu duvido que um único republicano vote para retirá-lo do gabinete. Seriam necessários 67 senadores para condená-lo, e isso não ocorrerá. O mais perturbador é que o presidente, então, sentirá que pode fazer quase qualquer coisa ilegal e, ainda assim, permanecer no poder.”

Professor de direito da Universidade Estadual de Ohio

Por Allan Lichtman

Apoio cego no Senado

“No momento, parece que não haverá nada nem perto dos 20 senadores republicanos necessários para a condenação. A maioria dos republicanos apoia cegamente o presidente, não importam quão fortes sejam as evidências ou quão sérias sejam suas transgressões para fraudar as eleições presidenciais e minar a segurança nacional dos Estados Unidos.”

Historiador e professor da American University (em Washington)

Por Laurence Tribe

Juramento violado

“As chances de Trump ser condenado hoje são, virtualmente, de 100%. O significado disso é que o presidente violou seu juramento, abusou do poder de seu cargo, corrompeu o nosso processo eleitoral, traiu nossa segurança nacional e provou ser moral e eticamente inadequado para cargos públicos. Não vejo qualquer possibilidade de condenação no Senado.”

Professor de direito constitucional da Universidade de Harvard