Correio Braziliense, n. 20661, 17/12/2019. Política, p. 3

Presidente ataca educador
Ingrid Soares
Rodolfo Costa


O presidente Jair Bolsonaro chamou o patrono da educação brasileira, o educador Paulo Freire, morto em 1997, de “energúmeno”. O ataque foi feito pelo presidente ao defender, omtem,  a decisão do Ministério da Educação de despejar a TV Escola das dependências da pasta e encerrar o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), que gerenciava a emissora.

Bolsonaro criticou o conteúdo programático da TV Escola. “Era uma programação totalmente de esquerda, ideologia de gênero, dinheiro público para ideologia de gênero. Tem que mudar, e aí tem reflexo daqui a cinco, 10, 15 anos, vai ter reflexo disso aí”, acusou. O comentário foi sucedido por críticas a Paulo Freire. “Tem muito formado aqui em cima dessa filosofia do Paulo Freire da vida, esse energúmeno aqui, que foi ídolo da esquerda”, criticou.

“Conhecem a programação? Deseduca. Por que a educação do Brasil tá assim, lá embaixo? Tem pessoas comentando que vai acabar com a cultura... Esse tipo de cultura vai acabar. Agora, queriam renovar o contrato, R$ 350 milhões, que seriam jogados no lixo”, sustentou o presidente. Segundo Bolsonaro, o objetivo é firmar contrato com outra companhia. “Vai gastar menos com outra empresa”, afirmou. Um dos motivos alegados para a rescisão contratual é a baixa audiência. “Quem assiste à TV Escola? Ninguém assiste. É dinheiro jogado fora”, disse.

O presidente associou o atual modelo educacional com o resultado do Brasil no último exame do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). “Olha a prova do Pisa, estamos em último lugar do mundo. Se não me engano, ciência, matemática e língua portuguesa. Em um ou dois itens, somos os últimos da América do Sul. Vamos esperar o que desse Brasil?”, reclamou.

A educadora e viúva de Paulo Freire, Ana Maria Araújo Freire, 86 anos, afirmou que o tipo de crítica feita por Bolsonaro não é “postura de um presidente”, e que ele é um homem “nefasto”. “Paulo está lá sossegado no lugar dele, está no céu. Bolsonaro é um homem sem nenhum pudor, sem nenhum caráter, sem nenhuma autocensura. Tudo o que ele tem na cabeça é contra as outras pessoas, ele só tira das ofensas os três filhos, nem os outros dois ele tira. É um homem nefasto, uma coisa absolutamente terrível.”

A professora de política educacional da Universidade de Brasília (UnB) Catarina de Almeida Santos afirma que a justificativa sobre a baixa audiência dada por Bolsonaro não procede e faz parte de uma guerra cultural. “A TV Escola não é uma tevê voltada para grandes audiências. É educativa e tem um público específico, como professores e estudantes, com grade horária muito diversificada. Sobre a crítica a Paulo Freire, ele é um dos educadores e teóricos mais conhecidos, não apenas no Brasil, mas no mundo. O intuito do presidente não tem a ver em querer investir em uma tevê pública, mas destruir uma que produzia conteúdo dos quais ele discorda”, argumentou.

Ex-diretora da TV Escola de 2015 a 2017 e doutora em educação pela PUC-SP, Mônica Franco ressaltou que os conteúdos da TV Escola “são produzidos pelo que há de mais excelente no país em termos de conhecimento e verdade científica”. “Não tem nenhuma diretriz que não seja validada pelo CNE ou pelo Congresso”, disse.

Sobre as críticas a Freire, Mônica Franco afirmou que o chefe do Executivo demonstra falta de conhecimento da história do educador. “Também demonstra profundo desrespeito. Ele pode ser contra, mas um chefe de Estado não deveria ter uma postura desrespeitosa com alguém que não está mais aqui para se defender. Ele poderia citar uma obra e falar onde está o grande mal que ele fez para a educação brasileira, eu li todas e não consigo identificar”, ponderou.