Correio Braziliense, n. 20635, 21/11/2019. Economia, p. 8

INSS é acusado de extinguir serviço

Cláudia Dianni


O governo federal aproveitou a Medida Provisória nº 905, que instituiu o Programa Verde Amarelo, de incentivo à contratação de jovens, para extinguir o serviço social nas agências do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Além de atendimentos previdenciários, os assistentes sociais lotados nas agências preparam laudos para o acesso da população vulnerável ao Benefício de Prestação Continuada (BPC), voltado a deficientes e idosos na extrema pobreza.

De acordo com especialistas, a mudança pode dificultar o acesso dos mais vulneráveis ao benefício e prejudicar o atendimento à população, sobretudo idosa, justamente quando foram alteradas as regras da Previdência, o que aumenta a demanda por assistência e informação.

Em nota, o INSS negou a extinção do serviço, embora o dispositivo esteja explícito no inciso XIX artigo 51 da MP. “A revogação da alínea b do inciso III do art. 18 da Lei nº 8.213/1991, em vez de extinguir o serviço social promoveu a ampliação de sua abrangência, na medida em que esse serviço deixou de estar restrito ao Regime Geral de Previdência Social. Com o ajuste, houve maior clareza, por exemplo, quanto à possibilidade de desenvolvimento dos trabalhos do serviço social no âmbito do auxílio-inclusão de que trata o art. 94 da Lei nº 13.146/2015, regulamentado pelo Projeto de Lei remetido pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional”, diz a nota. Os ministérios da Previdência e da Economia não responderam às perguntas da reportagem.

Em julho, o INSS informou que passou a atender 90 dos 96 serviços por meio do aplicativo e do site Meu INSS, ou pelo telefone 135. Segundo divulgou a autarquia na época, com os serviços automatizados, não é preciso falar com um atendente, na maioria dos casos. No entanto, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, em 2016, 23,9 milhões de pessoas não sabiam usar a internet e 63 milhões sequer estavam conectadas.

A medida afeta quase 1.600 assistentes sociais, que serão transferidos para desempenhar outras funções. O INSS possui mais de mil agências de atendimento no país, mas nem todas possuem assistentes sociais por falta de quadros. O último concurso para a função foi em 2016. Em abril, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra a União e o INSS solicitando o recrutamento de agentes públicos para suprir as demandas acumuladas no órgão. Ontem, a MP recebeu duas emendas para a retirada do dispositivo, registradas pela deputada Erika Kokay (PT-DF). O Câmara dos Deputados tem 120 dias para aprovar a MP, caso contrário, ela perde a validade.

“O atendimento à população será muito prejudicado. As agências do INSS realizam mais de um milhão de atendimentos por ano. Com o sistema digital, não se consegue fazer pedidos de aposentadorias, auxílio-doença ou qualquer outro serviço de forma presencial. Só pela internet e pelo telefone. Mas há um público muito vulnerável, muitas vezes sem acesso à internet, idosos ou pessoas com pouca escolaridade, que não entende os e-mails que recebe e precisa de assistência”, disse Viviane Peres, diretora da Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps). A entidade estuda entrar com uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a medida.

O Serviço Social do INSS foi instituído em 1944 pelo então presidente Getúlio Vargas. Além de prestar atendimento e informação à população, os assistentes sociais desempenham duas funções que são exclusivas da profissão. São eles que emitem o parecer social para a concessão do BPC para deficientes, que acompanha o parecer médico. Às vezes, eles realizam visitas domiciliares, para checar as dificuldades dos beneficiários.

No caso de idosos acima de 65 anos que requerem o BPC, o benefício só é concedido aos com renda igual de até um quarto de salário mínimo. Os assistentes sociais elaboram laudos para idosos mediante comprovação do comprometimento da renda mensal, quando maior do que R$ 250,00, com despesas básicas, como remédios. “Sem os assistentes, o benefício pode ficar mais automatizado, portanto mais restrito”, lamenta Viviane. Segundo ela, há 55 mil pedidos de avaliação de BPC para deficientes em fila para serem analisados.

Assistente Social e professora de Rede de Proteção Social no Iesb, Kesia Miram Araújo lamenta a falta de informação sobre a medida. “O governo não deu nenhuma explicação sobre como será preenchida essa lacuna. A falta de informação gera insegurança nos profissionais e na população atendida. O INSS tem muita capilaridade. Esse serviço vai fazer muita falta”, disse.

“A MP nº 905/2019 crava um severo golpe no acesso aos serviços prestados pelo INSS, extinguindo o Serviço Social, área onde hoje atua grande número de assistentes sociais e que atualmente é o único atendimento presencial ao qual usuários/usuárias têm acesso na autarquia”, disse, em nota, o Conselho Federal do Serviço Social.