O Globo, n. 31551, 25/12/2019. Opinião, p. 2

Provas de corrupção liquidam a tese de guerra jurídica


Personagens centrais em vários processos de corrupção, alguns líderes políticos sul-americanos propagam sua vitimização numa guerra jurídica. É o caso dos ex-presidentes Lula, Cristina Kirchner (Argentina), Ollanta Humala (Peru) e Rafael Correa (Equador). Eles incorporaram a tese às narrativas de “resistência” à “perseguição política” com que habitualmente emolduram as respectivas biografias.

Os laços entre os quatro ex-presidentes vão além das relações pessoais construídas na contemporaneidade do poder.

Demonstram afinidade no modo de fazer política. Nos tribunais de seus países respondem por uma engrenagem de corrupção sistêmica, que deslegitimou instituições e partidos, e ainda obstruiu a competição empresarial, em privilégio de grupos financiadores de campanhas eleitorais.

Não é casual a onipresença da Odebrecht, para citar uma das empresas favorecidas, nos processos sobre corrupção que envolvem Lula, Cristina, Ollanta e Correa. A empreiteira é ré confessa no Brasil, Argentina, Peru e Equador.

A ideia de vitimização desses expresidentes numa guerra jurídica não resiste ao contraste com os autos processuais.

Caso exemplar é o de Lula, já condenado a um total de 29 anos e dois meses de prisão em diferentes instâncias judiciais.

Foi julgado “como inimigo”, disse um dos seus defensores diante da última sentença. Sobre impropriedades desse calibre, observou o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Victor Laus, em recente entrevista ao jornal “O Estado de S.Paulo”: “Em cinco anos de Operação Lava-Jato, julgando casos na então 8ª Turma, eu nunca ouvi uma defesa de conteúdo material. Nunca ninguém disse ‘meu cliente é inocente, meu cliente não tem nada a ver com isso, não há uma prova nesse processo’. Eu fiquei durante cinco anos ouvindo: ‘Há uma nulidade, porque aquele documento foi feito preto, e devia ser verde; aquele portão não abriu mas devia ter fechado’ (...) A verdade é essa.”

O antigo conceito de guerra jurídica (lawfare, em inglês) pode ser útil para suprir eventuais lacunas em estratégias de defesa. O Pentágono foi pioneiro, e há duas décadas incorporou essa forma de ofensiva ao seu arsenal de armamento não convencional. Manipula a tese em tribunais para restringir a aplicação da doutrina de proteção aos direitos humanos a adversários — grupos listados como objetivos militares.

Não deixa de ser irônico que líderes de esquerda na América do Sul tenham ido buscar no porão militar do “imperialismo” americano sua principal arma de defesa nos processos por corrupção.

Lula, Cristina, Ollanta e Correa decidiram que estão absolvidos pela história. O problema é a realidade imutável das provas judiciais.