O Globo, n. 31550, 24/12/2019. Economia, p. 19

Socorro a bancos
Renata Vieira
Leo Branco
Gabriel Martins


O governo encaminhou ontem ao Congresso Nacional projeto de lei que prevê o uso de recursos públicos para o resgate de bancos em situação de crise grave. O texto atualiza o marco legal de intervenção e liquidação de instituições financeiras e permite ou sode dinheiro do contribuinte como última instância de resgate, ou seja, depois de esgotadas as demais fontes, passando por acionistas e investidores. Hoje, o uso de recursos do Tesouro Nacional em situações do tipo é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

A LRF prevê, no entanto, a criação de uma lei específica em resposta a uma situação de urgência. A notícia do envio do projeto de lei teve impacto positivo sobre as ações de bancos, o que contribuiu para que o Ibovespa, índice de referência dos investidores, fechasse em alta de 0,64%, no patamar recorde de 115.863 pontos.

Para passar a valer, a proposta terá que ser analisada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, para só então ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro. Como se trata de um projeto de lei complementar (PLC), o texto precisa de maioria absoluta dos parlamentares para passar, isto é, 257 deputados e 41 senadores.

A proposta do BC cria dois regimes: o de estabilização e o de liquidação compulsória. O regime de estabilização é voltado para instituições que, caso entrem em crise, representem risco sistêmico ou seja, contaminem várias outras instituições financeiras ecoloquemo sistema em risco. Na prática, isso diz respeito aos maiores bancos do país.

Pelo regime de estabilização, os recursos dos controladores e acionistas do banco em crise serão usados para cobrir o prejuízo e recapitalizara instituição para que volte a operar. Caso não sejam suficientes para estancar acrise, entram em jogo os recursos de investidores subordinados, que aplicaram em papéis atrelados ao capital do banco e estão cientes do risco de assumir perdas em caso de insolvência.

Esse regime estabelece a criação do fundo de resolução financeira, uma espécie de Fundo Garantidor de Crédito dos bancos. Com contribuições frequentes do próprio sistema financeiro, ele seria acionado em caso de crise. O tamanho do fundo ficará a critério dos próprios bancos, e demandará aprovação do BC.

Padrão após crise de 2008

Em situações em que os recursos dos acionistas, dos investidores e do fundos de resolução não sejam capazes de resgatar a instituição em crise, o governo coloca recursos públicos para financiar esse fundo. Pela proposta, o governo é o primeiro a ser reembolsado em caso de recuperação da instituição. Caso nenhuma das soluções anteriores tenha sido efetiva, a União pode emprestar recursos diretamente para a instituição financeira.

Segundo o chefe do Departamento de Resolução e Ação Sancionadora do BC, Climério Leite Pereira, o objetivo é reduzir os impactos de uma crise numa instituição em todo o sistema financeiro.

— O regime de estabilização é volta dopara instituições de importância sistêmica, que não podem ser simplesmente paralisadas, ser fechadas, liquidadas do dia para a noite, sob risco de propagação, contágio e efeitos na economia real — explicou.

O assunto vem sendo estudado pelo BC há cerca de 15 anos, e atualiza a legislação em vigor, de 1974. Segundo a autoridade monetária, o novo padrão jáé adotado pelas economiasmais avançadas depois da cri sede 2008. Ano valei ajudará o país a cumprir compromissos assumidos no âmbito do G-20, grupo das maiores economias do mundo.

Hoje, o regime de intervenção em instituições financeiras bloqueia automaticamente depósitos, e impede que o cliente saque recursos até o desfecho da situação. Pelo regime proposto, a instituição pode continuar aprestar serviços enquanto não se soluciona acrise. Para isso, o projeto cria afigurado“banco-ponte ”— uma instituição financeira nova, em caráter transitório, para dar continuidade às atividades da empresa em crise.

Afigurado“banco-ponte” e o escalonamento do pagamento dos recursos de resgate não constam da legislação atual. Para o BC, a proposta traz sistema de governança claro.

Já o regime de liquidação compulsória equivale à atual liquidação extrajudicial, ou seja, retira a instituição do Sistema Financeiro Nacional. Segundo o BC, o novo modelo é mais ágil e se aplica a instituições menores, que não ofereçam risco sistêmico. Nesse caso, o projeto de lei permite que a própria assembleia de credores aprove alternativas para pagamento das dívidas.

Para a economista Margarida Gutierrez, professora de macroeconomia do Coppead/ UFRJ, a medida do BC vai na direção correta.

— Esse mecanismo não seria usado de qualquer maneira, mas em casos extremos e para evitar risco sistêmico causado pela insolvência de um banco. Foi bastante usado nos EUA ena Euro papara conter efeitos da crise pós-2008.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, pontua que o projeto ainda é vago sobre os gatilhos para acionara salvação.

— O governo mira garantira estabilidade do sistema financeiro no longo prazo, e não resolver alguma crise pontual — disse Velloso, que avalia a regulação dos bancos brasileiros como forte o bastante para minimizar risco sistêmico.

A Febraban, federação dos bancos, não comentou o tema.

O que o projeto propõe:

> Regime de estabilização

Cria um mecanismo de intervenção em etapas para o caso de crises em grandes instituições financeiras, que tenham potencial de oferecer risco ao Sistema Financeiro Nacional.

> Controladores e acionistas

O capital dos controladores e dos acionistas da instituição é a primeira resposta aos prejuízos, que deverão ser cobertos preferencialmente com recursos privados.

> Investidores

Caso os recursos de controladores e acionistas não sejam suficientes, serão usadas dívidas subordinadas. São títulos atrelados ao capital de bancos comprados por investidores.

> Fundo de resolução


Tipo de fundo garantidor de crédito, alimentado pelas instituições financeiras, para responder acrises.

> Recurso público

O governo poderá fazer aportes nos fundos de resolução. Num segundo momento, a União poderá aportar recursos na instituição financeira.

> Banco-ponte

A proposta permite uma reorganização societária da instituição em crise e cria o banco-ponte, espécie de banco de transição para dar continuidade às atividades.

> Regime de liquidação compulsória

Equivalente ao mecanismo de liquidação extrajudicial, retira do Sistema Financeiro Nacional instituições que quebraram, de forma mais ágil. Foco está em instituições de menor porte.

> Credores no comando

O regime cria possibilidades para que a assembleia de credores aprove ações para pagar dívidas.

Instituição fará novo mutirão para quitar dívidas em 2020

Diante do sucesso do primeiro mutirão de renegociação de dívidas, fruto de um acordo entre o Banco Central e a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), as duas instituições preparam uma nova edição da medida para 2020. Mais de 820 mil pessoas participaram da chamada Semana Nacional de Negociação e Orientação Financeira na primeira semana deste mês. O volume de dívidas renegociadas chegou a R$ 4,5 bilhões — com desconto médio de 65% e extensão dos prazos para quitação dos débitos, informou o Banco Central.

Educação financeira

Durante o mutirão, 329 agências bancárias do Banco do Brasil, Banrisul, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú e Santander, em todos os estados do país, funcionaram em horário estendido, até as 20h, oferecendo renegociação dos débitos em atraso.

Para ter acesso ao benefício, os clientes precisaram assistir a um vídeo de educação financeira, com dicas de como organizar e equilibrar o orçamento doméstico. Nas agências, 560 mil pessoas assistiram ao conteúdo — e na internet o vídeo foi visto mais de 173 milhões de vezes.

A renegociação também pôde ser feita durante o horário normal de funcionamento das agências bancárias, nos canais digitais dos bancos e pela plataforma consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça. Agora, o Banco Central e a Febraban estão definindo a data do próximo mutirão.

A medida faz parte da Agenda BC#, conjunto de diretrizes da autoridade monetária para aumentar a competição no sistema financeiro nacional, e baratear os juros aos clientes, ainda em patamares altos. A taxa Selic, que define os juros básicos da economia, está em 4,5% ao ano, seu menor patamar histórico, mas a redução ainda não foi totalmente transmitida a quem precisa de crédito.