O Globo, n. 31549, 23/12/2019. Opinião, p. 2

Emendas ao Orçamento ampliam as desigualdades


O Congresso aprovou o Orçamento Geral da União para o próximo ano. Com 94% das despesas classificadas como obrigatórias, é uma das peças de planejamento governamental mais engessadas. Isso reflete o impasse político que se agrava em torno da distribuição republicana dos recursos federais, com repercussões diretas nos estados e municípios.

Há todo um jogo de interesses sobre os orçamentos públicos no Brasil que acaba por transformá-los em instrumentos de alavancagem do aumento das desigualdades.

Exemplo disso está nas emendas parlamentares — individuais e de bancadas —, que somam R$ 16,2 bilhões no Orçamento da União para 2020. É uma fração ínfima dos gastos impositivos. Porém, constitui boa amostra das distorções que prevalecem no planejamento anual.

São deturpações de sentido nas decisões de alocação de recursos que, na essência, contrariam objetivos fundamentais da República, como o de “reduzir as desigualdades sociais e regionais” —preceito estabelecido no artigo 3º, inciso III, da Constituição.

É o que demonstra uma análise do Tribunal de Contas da União sobre emendas parlamentares aprovadas nos últimos cinco anos. A auditoria se deteve nas emendas individuais ao projeto de Lei Orçamentária, aprovadas no limite de 1,2% da receita corrente líquida com ordem constitucional de execução obrigatória.

São R$ 9,5 bilhões em despesas previstas no orçamento de 2020, determinadas por 594 deputados e senadores —média de R$ 15,9 milhões por parlamentar. Estão direcionadas a projetos sociais (80% na área de saúde) e de infraestrutura básica em localidades remotas, que dificilmente seriam consideradas no planejamento anual da União, seja por limitações técnicas das prefeituras ou simples desconhecimento das necessidades locais pela burocracia centralizada em Brasília.

O problema é que as regiões mais desenvolvidas são precisamente as mais favorecidas. A origem das discrepâncias está no critério de divisão do dinheiro — o número de parlamentares por unidade da Federação.

O rico estado de São Paulo, por exemplo, é dono de uma bancada com 70 votos no Congresso e por isso recebe 5,6 vezes mais recursos de emendas parlamentares do que o Piauí, penúltimo na classificação nacional de produção de riqueza e com uma bancada de 13 parlamentares.

No Orçamento de 2020 isso significa uma diferença de quase R$ 1 bilhão em repasses de recursos, dinheiro suficiente para a implantação de mil Unidades Básicas de Saúde do tipo I (ao custo de R$ 408 mil cada, com equipamentos e uma equipe do Saúde da Família), mais 957 creches do tipo C (R$ 618 mil por unidade para 120 crianças em dois turnos).

Não há justificativa plausível. O Congresso precisa rever os critérios de distribuição dos recursos orçamentários. É questão de equidade.