Título: Previdência polêmica
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 04/02/2005, Internacional, p. A7
Para além das tradicionais ameaças da política externa, o presidente dos Estados Unidos George Bush, no discurso anual da União, tocou em um ponto sensível não só para americanos, como também para europeus e brasileiros: a reforma da previdência.
A partir de um prognóstico sombrio sobre o futuro do sistema previdenciário gerido pelo Estado, Bush propôs a redução de benefícios e a possibilidade compensatória de contas privadas, ligadas ao mercado financeiro e com rendimento mais alto do que o prometido pelo governo.
Ao fazer a sugestão, o presidente pôs a mão em um vespeiro. Há décadas que o tema é considerado suicídio político nos EUA. O sistema atual data do New Deal (Novo Acordo) de Franklin Delano Roosevelt e nasceu para proteger a poupança de americanos traumatizados com as perdas da Crise de 29.
As propostas são parte de um pacote chamado pelos republicanos de Ownership society, um termo que transparece a intenção, ao menos no discurso, de aumentar as opções de escolha para o cidadão sobre como e onde buscar bens sociais como a aposentadoria, os planos de saúde, o auxílio à educação etc.
- Bush quer pôr abaixo o New Deal de Roosevelt - afirmou, ao JB, o professor Stephen Rabe, da Universidade do Texas. - Ownership Society é um slogan para atacar o princípio de que governos têm responsabilidade pelo bem-estar básico das pessoas.
De fato, a discussão está sendo travada nos últimos 30 anos não só nos Estados Unidos, mas na Europa e também no Brasil.
Bush segue uma ''tradição'' inaugurada com Ronald Reagan e, em especial, com a dama de ferro, a ex-primeira-ministra Margareth Tatcher, que reorganizou o papel do Estado na sociedade britânica.
As ações estão ligadas às transformações sofridas pela economia internacional, consolidadas, em especial, nos anos 1980. Um novo problema surgiu para as finanças públicas: a movimentação de capital. O movimento de mais de US$ 1 trilhão por dia pelos mercados financeiros do mundo geram, em Estados endividados, uma volatilidade excessiva no câmbio, influenciado pela entrada e saída de moeda estrangeira do país.
Afinal, quando o dólar, por exemplo, entra no país, a moeda nacional se fortalece com o movimento de compra. Quando sai, se enfraquece com ações de venda.
Há remédios para evitar a volatilidade: aumentar a taxa de juros - e a situação brasileira não é mera coincidência; regular as contas públicas sem endividamento - já que o Estado que se endivida gera desconfiança, fugas de capital e, assim, volatilidade no câmbio; ou abrir mão de fazer parte da economia internacional, opção irrealista, ainda mais para Estados em desenvolvimento.
Com isso, o que houve foi uma pressão estrutural que se pôs a todos no sentido de um controle mais rígido dos orçamentos públicos e, desta forma, as prioridades do Estado para a alocação de recursos se tornam ainda mais importantes. Se o negócio é fazer guerra, não haverá verba para manter o sistema previdenciário. Se o negócio é manter um corpo de funcionários públicos privilegiados, não haverá verba para a saúde ou para a educação.