Título: Acusados respondem a Bush
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Fonte: Jornal do Brasil, 04/02/2005, Internacional, p. A7

Irã alerta o presidente que antecessores já tentaram sem sucesso derrubar o regime islâmico. Síria diz que apóia a paz

DAMASCO e TEERÃ - A Síria e o Irã responderam ontem às ameaças feitas pelo presidente George Bush, na quarta-feira à noite, no discurso anual da União. Bush acusou Damasco de permitir que terroristas utilizem o território sírio para ''destruir qualquer chance de paz'' no Oriente Médio. Sobre o Irã, o presidente americano afirmou que o país é líder ''na promoção do terrorismo''.

Em Teerã, o dirigente supremo da revolução islâmica iraniana, o aiatolá Ali Khamenei advertiu ao presidente americano que seus quatro antecessores nos EUA já tentaram derrubar o regime iraniano, mas todos ''fracassaram''.

- A República Islâmica do Irã é atacada pelos tiranos globais devido a sua defesa dos oprimidos e a sua luta contra os opresores - declarou Khamenei. - Os EUA tentam por todos os meios desprestigiar o talento da nação iraniana e tirar dela sua identidade.

As relações entre Teerã e Washington se tornaram tensas depois que, em 1979, a Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Rujola Khomeini chegou ao poder, derrubando o pró ocidental e último Xá da Pérsia, Mohammed Reza Pahlevi.

Em Damasco, a porta-voz do Ministério sírio das Relações Exteriores, Bushra Kanafani, afirmou que o presidente americano se baseia em ''relatórios equivocados''.

- Em conversas com autoridades dos EUA, todos expressaram apreço ao que mostramos estar fazendo em vários temas, inclusive naqueles que são pretextos para que nos acusem de terrorismo - disse a porta-voz. - Nossa posição é de apoio à paz.

A Casa Branca impôs sanções à Síria em maio de 2004, acusando Damasco de apoiar militantes palestinos e libaneses anti-Israel e de permitir a passagem de rebeldes pela fronteira com o Iraque. Damasco, por outro lado, afirma que dá apenas apoio político ao Hamas, à Jihad Islâmica e ao Hisbolá.

- A Síria vem fazendo o possível para prevenir que rebeldes cruzem a fronteira com o Iraque e repetidamente vem dizendo que deseja um acordo com o governo interino iraquiano que, até agora, não enviou nenhum sinal oficial de resposta - afirmou Kanafani.

Tradicionais aliados de Bush também não foram poupados no discurso. O presidente americano afirmou que Egito e Arábia Saudita devem ser mais rápidos nas reformas em prol da democracia.

- O governo da Arábia Saudita pode demonstrar a sua liderança na região ao expandir o papel do seu povo na determinação do futuro do país - disse o presidente dos EUA. - E a grande e orgulhosa nação do Egito, que já mostrou o caminho da paz no Oriente Médio, pode agora mostrar o caminho da democracia - afirmou, referindo-se ao acordo de paz com os israelenses, no fim dos anos 1970.

Sobre as ameaças aos países árabes, a rede de TV Al Jazira disse que o discurso da União de Bush serviu para preparar o mundo ''para mais morte e destruição''.

Mas nem todos viram as palavras do presidente como ameaçadoras. Na Austrália, o Sidney Morning Herald afirmou que Bush mostrou mais disposição para angariar aliados do que no primeiro mandato. Além disso, o jornal chamou a atenção para a promessa de US$ 350 milhões que George Bush fez aos palestinos, para ajudar no desenvolvimento das instituições locais.

No britânico The Guardian, o colunista Sidney Blumenthal, que foi assessor de Clinton, escreveu que o discurso ''adiciona o elemento da euforia na utopia do pronunciamento de posse''.

Blumenthal afirmou que as eleições no Iraque, mencionadas várias vezes por Bush e vencidas, segundo prognósticos, pelos xiitas, não foram uma ''vitória da liberdade'', mas ''a culminação da longa guerra Irã-Iraque que o Irã, no fim, venceu sem levantar um dedo''.