Correio Braziliense, n. 20712, 06/02/2020. Política, p. 3

Projeto para mineração em terras indígenas

Ingrid Soares
Cláudia Dianni


 

Chegará ao Congresso, nos próximos dias, uma das mais polêmicas propostas de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Em solenidade pelos 400 dias do governo ontem, no Palácio do Planalto, ele assinou um projeto de lei que regulamenta os artigos 171 e 231 da Constituição, que dispõem sobre o direito dos povos originários sobre terras tradicionalmente ocupadas e sobre recursos minerais e potenciais de energia hidráulica, respectivamente.

O projeto propõe a regulamentação da mineração e a geração de energia hidrelétrica em terras indígenas, como prometido, e vai além. Permite, ainda, a produção de petróleo e gás e o exercício de outras atividades econômicas, como agricultura, pecuária, extrativismo e turismo.

Caberá ao Congresso a mediação com a sociedade em uma discussão que promete ser acalorada, conforme prevê o presidente. “É um grande passo. Depende do parlamento. Vão sofrer pressões dos ambientalistas”, disse. E emendou: “Esse pessoal do meio ambiente, né... Se um dia eu puder, eu confino-os (sic) na Amazônia, já que eles gostam tanto do meio ambiente, e deixem de atrapalhar os amazônidas daqui de dentro das áreas urbanas”.

O Brasil possui 436 áreas indígenas. Segundo o Censo de 2010, naquele ano, havia 305 povos indígenas, que somavam 896.917 pessoas. O país tem 1,17 milhão de quilômetros quadrados de terras indígenas, equivalentes aos estados de Mato Grosso e Tocantins, juntos, em extensão.

“Nunca é tarde para ser feliz, 30 anos depois”, afirmou Bolsonaro, referindo-se à data da Constituição. “O índio é um ser humano exatamente igual a nós. Tem coração, tem sentimento, tem alma, tem desejo, tem necessidade e é tão brasileiro como nós”, destacou.

Autorização

O projeto prevê pagamento de participação nos empreendimentos às comunidades indígenas, por meio de royalties, e compensações, pelo não uso da terra, em casos em que os problemas ambientais não possam ser mitigados pelo licenciamento do projeto. Os valores, porém, vão depender de cada projeto, e as porcentagens ainda serão definidas.

Para cada empreendimento será necessário um decreto legislativo que autorize a obra, e no caso dos garimpos será preciso, ainda, a autorização da comunidade indígena, se o empreendedor for um não indígena. Segundo o texto, os povos originários poderão explorar as terras de forma produtiva.

“Lei Áurea”

O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que teve as atividades de sua pasta esvaziadas por Bolsonaro, fez um discurso entusiasmado em defesa do governo e chamou o projeto que libera a mineração em terras indígenas de “Lei Áurea”. Ele também se referiu a jornalistas como “extrema imprensa”.

Por sua vez, o ministro da Justiça, Sérgio Moro — que, recentemente, aumentou as desconfianças do Planalto sobre suas pretensões nas eleições de 2022 —, também fez um efusivo discurso em defesa da “liderança de Bolsonaro”, mas concluiu sua fala com uma frase ambígua: “Em 2020, novos desafios. Estaremos juntos. Senhoras e senhores, não perdem por esperar”.