Título: Cinco dias de folga e um de presença
Autor: Villas-Bôas Corrêa
Fonte: Jornal do Brasil, 04/02/2005, Outras Opiniões, p. A9

A menos de duas semanas da eleição do presidente da Câmara, a campanha dos três candidatos viáveis afunila para o vale-tudo que salta as barreiras éticas nas ofertas de vantagens e mordomias que garantam os votos decisivos dos eternos indecisos do baixo clero, desembaraçados de compromissos partidários e livres para a barganha dos seus interesses. O candidato duplamente oficial - do presidente Lula e do PT de estrela vermelho pálido - deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, colocou na mesa o seu pacote de generosidades, embrulhado no papel dourado da prévia concordância com tudo que o plenário aprovar com a democrática chancela da maioria. Porteira escancarada, no balcão a transparente exibição da mercadoria: equiparação dos subsídios parlamentares, que encolhem à mixaria de R$ 12.720, ao teto dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), alguns degraus acima - R$ 19.115. Além do prato de sustância, com o agrado do aumento de R$ 35 mil para R$ 45 mil da verba para os gabinetes privativos dos 513 deputados federais. E tudo mais que a criatividade gulosa de suas excelências propor e merecer a aprovação dos favorecidos.

Se o candidato oficial solta-se, desinibido, a dupla de avulsos com chance de assustar o governo persegue os votos do baixo clero, dobrando as apostas como em mesa de pôquer de ricos. E com a audácia de quem joga com o dinheiro da Viúva.

O número dois na linha de partida, deputado Virgílio Guimarães, petista dissidente, fundador do PT do V, intercala uma martelada no prego e outra nos dedos como punição à sua desobediência.

Sopra o recado para o companheiro Lula, jurando respeitar o equilíbrio federativo e a governabilidade com o apoio da miscelânea de siglas que o apóia. Aos eleitores potenciais oferece as melhores prendas da sua coleção, com o cuidado para não cortar o fio da comunicação com o governo. Com tais dribles declara-se receptivo a examinar a redução do recesso parlamentar, dos três meses das saudosas férias escolares do meu tempo, para um mês do comum dos mortais. Se num prato da balança pesa o compromisso da equiparação dos subsídios ao teto dos ministros do STF, no outro o candidato surpreende com a exata conta da madraçaria parlamentar. A semana útil de senadores e deputados, espremido o suco das espertezas, reduz-se a um dia inteiro de presença. Não de todos - acautela-se para evitar desmentidos - mas da maioria. Detalha: a maioria chega, no pinga e pinga, pela tarde da terça-feira. Quarta é o dia estafante de expediente que começa às 14h e encerra às 18h, quando não invade a noite com as sessões extraordinárias, que pinga mais algum na conta bancária.

Inacreditável o flagrante de campanha da lenta corrosão da compostura do mais democrático dos poderes. Em cima do prego enferrujado e torto de um dia, um único dia inteiro de presença na Câmara, pendura-se o cacho de mordomias, de vantagens, de arranjos que compõem o buquê de um dos melhores empregos do mundo.

E o descaro escarafuncha os miolos para alavancar ambições com novos prêmios à vadiagem da maioria. Claro, há exceções. Numerosas, muitas conhecidas; outras ajudam a carregar no anonimato a dura e ignorada trabalheira das comissões ou se esfalfam no desgastante esforço de articulação política, tanto na área fornida do governo como no cerrado da oposição e que se compensam faturando na mídia.

Ainda não é a derradeira estação no roteiro do caradurismo. O veterano deputado pernambucano Severino Cavalcanti, ardoroso porta-voz da gula do baixo clero, registrou a sua candidatura à presidência, empunhando a bandeira do movimento Câmara para Todos. O que, traduzido em centavos, significa vantagens, mordomias à farta e em fatias iguais para todos, sem os privilégios dos que sempre levam o melhor pedaço do bolo.

O candidato, sem trava na língua, brada pela manutenção do recesso de três meses e pela equiparação dos subsídios ao teto da cobertura dos ministros do STF - R$ 21.500 - que é quanto faturam os dois ministros, em rodízio a cada dois anos - que acumulam a gratificação pelos serviços à Justiça Eleitoral.

Nenhum dos candidatos abre o bico para propor a reforma moralizadora do Congresso ou analisar as calamitosas conseqüências da imediata cascata de reajustes de subsídios e mordomias das assembléias legislativas estaduais e das câmaras municipais.

O país que vá à breca no carnaval das mordomias.