Título: Como um fardo pesado
Autor: Antonio Carlos Magalhães
Fonte: Jornal do Brasil, 04/02/2005, Outras Opiniões, p. A9

Recebi com muita satisfação, mas sem surpresa, as informações procedentes dos Estados Unidos anunciando a conclusão de um estudo com a previsão de que o Brasil se tornará, ao longo dos próximos 15 anos, uma grande potência mundial, com uma economia que poderá se equiparar à dos países mais ricos da Europa. A previsão está contida no documento Mapeando o futuro global, em que o Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos traça as perspectivas mundiais de crescimento econômico até o ano 2020.

Para mim, apesar de todos os desencontros e obstáculos, a ascensão econômica do Brasil ao patamar das grandes potências internacionais, é uma questão de tempo. De mais tempo, menos tempo, isso dependerá de vários fatores internos e externos mas, a menos que o ocorra uma catástrofe, pois, afinal nenhum povo está livre delas, não há como evitar que o país em breve tome o merecido assento ao lado das grandes potências internacionais, consideradas de primeiro mundo. Por isso mesmo, não me causam surpresa quaisquer previsões, por mais otimistas que sejam, a respeito das nossas perspectivas econômicas.

Não posso dizer que elas não me preocupam, até pelo contrário, mas se as dificuldades econômicas do país me preocupam, jamais me causarão o mais leve temor de que um dia pudessem impedir, ou mesmo procrastinar temerariamente os passos do país rumo ao grande destino. Já o mesmo não posso dizer das nossas imensas dificuldades sociais. Não erro ao garantir, aliás, que o grande desafio brasileiro dos nossos tempos não é o econômico mas o social e a distância abissal que cada vez mais os separa.

Disse há pouco tempo, mas vale repetir, que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem registrado avanços, impossível negá-los, mas avanços dirigidos de forma unilateral, quase exclusivamente para a área econômica, ainda sem a correspondente e devida contrapartida social. Não me canso de dizer que de nada vale a economia andar bem e o povo andar mal. O que é que se vê no Brasil de hoje?

O que se vê no Brasil de hoje, como se viu no Brasil de ontem, infelizmente, além dos ricos cada vez mais ricos, são os pobres, cujo número aumenta assustadoramente, dia-a-dia, vitimados por uma tributação perversa que não os distingue. Agora mesmo, o governo festeja a arrecadação recorde de impostos alcançada em 2004. Os mais de R$ 333 bilhões pagos em impostos e contribuições pelos brasileiros no ano passado representam, em termos reais, um crescimento de quase 11 por cento em relação ao montante arrecadado em 2003. Que reflexos terá essa arrecadação recorde de impostos sobre o panorama social do país? Nenhuma, praticamente nenhuma.

O Atlas de exclusão social, seguramente o mais completo e importante estudo até aqui realizado no país sobre a nossa dívida social, que já ultrapassa a casa dos R$ 7 trilhões, indica que para chegar a 2020 com um padrão de crescimento social equivalente ao econômico, o Brasil precisa investir por ano, todos os anos, até 2020, cerca de R$ 450,7 bilhões, sobretudo em saúde, educação e combate à pobreza, que deveria ser o carro chefe do governo Lula na área social.

É certo que ninguém pode governar um país como o Brasil, que carece de uma estrutura econômica forte e consolidada, pensando apenas no social, mas ninguém pode, da mesma forma, governá-lo tendo em vista apenas os interesses econômicos, incluindo os interesses dos credores externos. De que adianta chegarmos ao ano de 2020 com uma economia forte e uma população de 200 milhões de habitantes, 60 milhões dos quais em situação desesperadora?

O desenvolvimento do país só se completará no dia em que formos capazes de transformar a riqueza econômica coletivamente produzida em instrumento de promoção social coletivamente distribuída. Do contrário, vamos ter que conviver com o desagradável paradoxo histórico de sermos uma grande potência econômica arrastando nas costas, como fardo pesado, uma indesejada nação de seres sub-humanos.