Correio Braziliense, n. 20654, 10/12/2019. Mundo, p. 13

Sai a direita, entra o peronismo


Em seu último dia no poder, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, recebeu jornalistas na Casa Rosada e defendeu sua gestão. De acordo com o jornal Clarín, Macri revelou que, após a transmissão do cargo, hoje, ficará recluso em Los Abrojos, região de Buenos Aires, onde possui um sítio. Acompanhado de seu porta-voz, Iván Pavlovsky, o direitista garantiu que seu maior êxito como presidente foi “ter transmitido paz e liberdade a todos os argentinos” e prometeu construir uma “oposição construtiva” ao peronista Alberto Fernández. Ele admitiu que a transição de governo “é um momento simbolicamente importante”. “No entanto, o que importa é que se inicia um novo período na Argentina. Alberto terá sua mensagem e suas propostas. E nós trataremos de, depois de muito tempo, ter uma oposição construtiva”, comentou. Alberto tomará posse, hoje, como o 57º chefe de Estado argentino, ao lado da vice, Cristina Kirchner. Depois de uma declaração polêmica do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério das Relações Exteriores confirmou, no fim da tarde de ontem, que o vice, general Hamilton Mourão, chefiará a delegação brasileira na solenidade.

Mauricio Macri  assegurou que “nunca houve uma transição como esta” e reforçou que, em sua coalizão Juntos por el Cambio, “existe uma vocação de construtividade, com a defesa das liberdades, o respeito à República e à lei; mas tratando de ajudar que o processo de mudança prossiga”. Ele disse que a transferência de cargo “é um momento simbolicamente importante” e desejou que a convivência política siga pelo mesmo caminho. “Depois que eu colocar a faixa no presidente eleito, viajarei à minha casa nas Malvinas, onde passo todos os fins de semana. Porque me pareceu que eu sempre tive de manter contato com minha vida real”, afirmou, segundo o jornal La Prensa.

Sobre a disposição de dialogar com Fernández, Macri avisou que o fará “quando houver possibilidades de acordar sobre temas e de transferir experiências”. “O mundo tem se transformado muito nos últimos cinco anos, já não é mais o mesmo. Hoje, temos um capital de relações muito importante”, disse.

Por sua vez, na véspera de ser empossado, Fernández manteve uma reunião com o futuro ministro do Trabalho, Claudio Moroni, e com Guy Ryder, diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT). No Twitter, ele explicou que Ryder e a delegação da entidade se colocaram à disposição no empenho de enfrentar desafios no mundo trabalhista. No domingo, a ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner escreveu na mesma rede social que, a partir de hoje, começará a colocar a Argentina de pé. “Democracia para sempre. Pátria para todos. Esperamos vocês”, afirmou Cristina.

O primeiro convidado para a posse de Macri a desembarcar em Buenos Aires foi o presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel. Recebido com honras de chefe de Estado pelo chanceler Gustavo Zlauvinen, ele participou de uma oferenda floral em homenagem ao general Jose de San Martin, herói da independência argentina.

Idas e vindas

Na manhã de ontem, ao deixar o Palácio da Alvorada, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, disse que somente decidiria sobre o envio de um emissário depois de estudar a lista de autoridades convidadas para o evento. “Primeiro, estou analisando a lista de convidados. Quando assumi aqui, não convidei algumas autoridades”, disse a jornalistas. A princípio, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, tinha sido designado para a missão. Depois de anunciar que o embaixador do Brasil em Buenos Aires, Sérgio Danesa, representará o Planalto na posse, o nome confirmado foi o do vice-presidente, general Hamilton Mourão. Bolsonaro sustentou que a relação comercial com o vizinho permanecerá inalterada. “O nosso comércio com a Argentina continua sendo da mesma forma, sem problema nenhum, não interfere em nada”, declarou, segundo a Agência Brasil.

Nova gestão

Como Alberto Fernández vê os principais desafios que terá pela frente

Política Externa

Alberto Fernández promove a ideia de “eixo progressista” para a América Latina. Durante a campanha, visitou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão. A relação Brasil-Argentina, parceiros no Mercosul, é muito importante para ser rompida. “Haverá uma aproximação pragmática”, garantiu um dos principais assessores de Fernández.

Perseguição ao populismo

Fernández afirma que Lula, o ex-presidente equatoriano Rafael Correa, e a ex-presidente argentina Cristina Kirchner, agora sua vice, são vítimas de “um sistema judicial que se articulou para perseguir os líderes populares”. Ele evita se referir à situação da Venezuela, embora tenha declarado que não considera Nicolás Maduro um ditador. Também não menciona Cuba, mas expressou seu desejo de estreitar os laços com a Nicarágua de Daniel Ortega e Rosario Murillo.

Economia

“O 10 de dezembro não é uma data mágica”, advertiu Fernández, consciente das expectativas de um eleitorado que votou agoniado pelos problemas econômicos, com uma perspectiva de terminar o ano com inflação de 55%, desemprego de 10,4% e pobreza de quase 40%. A Argentina conseguiu, em 2018, um empréstimo de US$ 57 bilhões do Fundo Monetário Internacional (FMI). Fernández anunciou que desistiria de receber US$ 11 bilhões restantes do crédito.