Correio Braziliense, n. 20714, 08/02/2020. Política, p. 5

MP apura ordem para recolher livros


 

Mesmo após a Secretaria de Educação de Rondônia negar que determinou aos colégios públicos estaduais o recolhimento, das bibliotecas escolares, livros cujo conteúdo teria sido considerado impróprio para os alunos, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu apurar a motivação da pasta.

A iniciativa da Secretaria Estadual de Educação se tornou pública na quinta-feira, quando cópias de um memorando começaram a ser compartilhadas em redes sociais. O nome do secretário Suamy Vivecananda Lacerda de Abreu consta ao fim do texto, mas a assinatura eletrônica é da diretora-geral de Educação, Irany de Oliveira Lima Morais.

Constam da relação de 43 livros que seriam recolhidos obras de autores consagrados, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, que muitos consideram o título mais importante da literatura brasileira; e Macunaíma, de Mário de Andrade, cuja leitura é cobrada em muitos vestibulares. Também estão na lista livros dos brasileiros Carlos Heitor Cony, Euclides da Cunha, Ferreira Gullar, Nelson Rodrigues, Rubem Fonseca; do tcheco Franz Kafka e do norte-americano Edgar Allan Poe.

O memorando nº 4 pede às coordenadorias regionais de educação que "procedam com o recolhimento" dos livros relacionados "tendo em vista conterem conteúdos inadequados às crianças e aos adolescentes". No texto, o secretário destaca "a importância de os senhores coordenadores estarem atentos às demais literaturas já existentes (no acervo das bibliotecas escolares) ou que chegam às escolas para uso nas atividades, a fim de que sejam analisadas, e assegurados os direitos do estudante de usufruir deles com a intervenção do professor ou sozinho, sem constrangimentos e desconfortos". Os livros recolhidos deveriam ser entregues ao Núcleo do Livro Didático, da secretaria.

Após o assunto repercutir nacionalmente, a Seduc divulgou uma nota em que classifica os títulos que constam da lista como "clássicos da literatura". A pasta garante jamais ter ordenado que eles fossem recolhidos e tenta explicar a confusão alegando ter recebido uma denúncia a respeito da existência, nas bibliotecas escolares, de livros com "conteúdos inapropriados".

Procedimento
Para o procurador da República Raphael Bevilaqua, do MPF, a questão ainda não está esclarecida. Ele instaurou um procedimento preparatório para investigar a atuação da secretaria estadual e pediu que a Seduc envie cópias integrais do memorando e do procedimento administrativo. O objetivo é saber em qual contexto se deu a elaboração dos documentos e se eles chegaram a ser enviados às coordenadorias regionais de ensino.

Para Bevilaqua, a suposta determinação de recolhimento de livros pode contrariar os preceitos da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação Nacional, que estabelece que o ensino brasileiro deve respeitar os princípios da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, além do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e o apreço à tolerância. A Secretaria Estadual de Educação e a Coordenadoria Regional de Ensino têm 10 dias para responder às perguntas do procurador. (Agência Brasil)

Frase
"Esperamos que essa situação seja esclarecida, pois não podemos tolerar que casos de censura sejam presenciados nas escolas de Rondônia"
Trecho da nota do Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia (Sintero)