Título: Caudilho esquecido
Autor: Daniela Dariano
Fonte: Jornal do Brasil, 06/02/2005, País, p. A2

Neta de Brizola revela omissão com o outro avô, torturado pela ditadura

Do lado paterno, um avô vítima da ditadura, porém reparado pelas urnas e por uma estrutura que a autoridade de sucessivos cargos lhe proporcionou. Do lado materno, a advogada Juliana Brizola, 29 anos, neta do ex-governador gaúcho e do Rio, assiste ao esquecimento das convicções do outro avô, o capitão da Aeronáutica Alfredo Ribeiro Daudt, 82 anos, um ''nacionalista'' preso no regime militar, torturado, impedido de exercer a profissão desde os 40 anos e que hoje repousa numa clínica de Porto Alegre, vítima do Mal de Alzheimer.

- No golpe, diferentemente do meu outro avô, que teve toda uma estrutura de fuga, foi respaldado pelas urnas e teve reparação, ele (Daudt) foi até mais perseguido, torturado, não teve essa estrutura e nunca foi reparado - lamenta Juliana, informando haver um processo, sem julgamento, na Comissão de Anistia, movido pela mulher do capitão, Dóris Daudt, em setembro de 2002.

Desde os 22 anos, Daudt serviu à Aeronáutica como piloto. Mãe de Juliana e filha do capitão, Nereida Daudt, 55 anos, diz que o pai nunca entendeu de política:

- Ele era militar e fez uma jura à Constituição. Mas era fascinado por mecânica. O pai dele era aviador, pioneiro no Rio Grande do Sul, fez o primeiro vôo Porto Alegre-Rio. Ele seguiu a carreira de aviador por amor.

Em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, militares ''golpistas'' tentaram impedir a posse do vice, João Goulart. Daudt era legalista.

- Ele era um nacionalista. Veio ordem do Ministério do Exército para bombardear o Palácio Piratini (sede do governo gaúcho). E Brizola formou a rede da legalidade. Ele (Daudt) era capitão aviador em Canoas e, com os sargentos, liderou uma sabotagem nos aviões. É um herói esquecido. Evitou o bombardeio e foi muito perseguido por isso. Perdeu todas as medalhas - conta Nereida.

A posse de Jango naquele ano não evitou o pior para o capitão Daudt, três anos depois. Em 1964, marcado pelo episódio de 61, ele foi preso e torturado pela ditadura instaurada. Fugiu da cadeia e exilou-se no Uruguai, onde ficou por três anos e meio. A tortura na prisão - onde teve o estômago dilacerado - não é o maior lamento da família do piloto. O pior, diz Nereida, foi ter tido a carteira de piloto cassada.

- Ele não pôde mais voar nem na aviação civil. Não pôde mais trabalhar na profissão dele. Tentou vender frango, carros, tentou todas as atividades, mas nunca conseguiu. Pilotar era o que ele sabia.

Há 11 anos, Daudt tem Alzheimer. Nereida acredita que a doença é conseqüência da barbárie sofrida:

- Isso o abalou profundamente. Ele perdeu a memória, precisa de atendimento de enfermagem, não fala. É doloroso. São coisas que não tem dinheiro que pague.

As marcas da ditadura se transformaram em silêncio. Antes mesmo de desenvolver o mal que lhe tirou a memória, o capitão Daudt não gostava de falar sobre o passado com a neta Juliana. Mas demonstrava inconformismo. Procurou caminhos para um ressarcimento.

Juliana lamenta a demora do julgamento do processo movido pela avó. A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2002 havia levado esperança à família. Além de ser um governo de esquerda, animava-os o fato de ter, nos quadros da administração petista, pessoas perseguidas pela ditadura e reparadas.

- Meu avô era um nacionalista, ele queria defender a Constituição. Achei que o governo Lula fosse repará-lo, que seria o governo da justiça. Mas foi ficando cada vez mais difícil. O processo deve estar engavetado, jogado em algum canto. As pessoas que vêm recebendo as indenizações têm lobby.