Correio Braziliense, n.20560, 07/09/2019. Política. p.4

MPF faz pressão contra Aras
Renato Souza 
Rodolfo Costa



Pressionado pelo eleitorado, o presidente Jair Bolsonaro evitou se estender nos comentários sobre a escolha do subprocurador Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Na primeira declaração à imprensa após a indicação, limitou-se a dizer que está muito feliz com o que aconteceu. No entanto, apesar da tentativa do chefe do Executivo de passar uma imagem positiva, procuradores do Ministério Público Federal (MPF) já reagem à decisão. Dois escolhidos para comandar o MPF no Recife renunciaram ao cargo. Em carta, deixam claras suas posições contrárias à indicação feita por Bolsonaro. O maior temor, no órgão, é de que ocorra a redução da autonomia dada à instituição nos últimos 16 anos.

Aras não participou da formação da lista tríplice organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que, desde 2003, conta com a votação de procuradores e subprocuradores de todo o país na seleção de nomes que são enviados ao presidente. Tradicionalmente, um dos três mais votados é escolhido. Na visão da categoria, esse ato permite que o MPF atue de forma independente dos interesses do Executivo. As baixas sofridas no Recife são Ramiro Rockenbach, que seria o procurador-chefe na região, e Flávio Pereira da Costa Matias, indicado para o cargo de chefe substituto. Eles ainda não tinham assumido. O mandato teria início no próximo mês.


Na carta, enviada à PGR para justificar a desistência, eles apontam inconformidade com a indicação de Aras para o cargo mais importante do órgão. Eis que, como amplamente divulgado na imprensa, Sua Excelência, o Presidente da República, indicou, na data de ontem (quinta-feira), para PGR um nome fora da lista tríplice, a qual, num processo aberto, democrático e transparente põe em evidências posturas, planos e projetos daqueles que almejam se tornar PGR, destaca a dupla em um trecho do documento.

Nas redes sociais, até mesmo apoiadores do governo rejeitaram a escolha. A reação negativa causou surpresa a Bolsonaro. Ele foi à internet pedir aos seguidores que moderassem as críticas e dessem um voto de confiança. Para o chefe do Executivo, Aras é o nome que mais se adequou ao perfil desejado para a PGR, de alguém que não fosse um xiita ambiental.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, também saiu em defesa de Aras, que ainda terá de passar por sabatina no Senado. Afinal, os dois atuaram juntos no leilão da Ferrovia Norte-Sul. O subprocurador afastou obstáculos ao leilão do Tramo Central da obra, firmando Termo de Entendimentos com o governo federal, em março. Assegurou, assim, o direito de passagem e o desenvolvimento da concorrência ferroviária, destravando o processo que culminou no sucesso do leilão com valor de outorga de 100% do inicialmente previsto, em uma arrecadação de R$ 2,7 bilhões.


Na 3ª Câmara da Ordem Econômica e Consumidor do MPF, em que Aras é o coordenador, dizem que ele, Freitas e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, atuam a ''seis mãos'' em pautas favoráveis ao desenvolvimento e à infraestrutura do país.

Conciliação

A ideia é que o governo possa, em trabalho com o MPF, desatar nós e eventuais entraves burocráticos pelo progresso da infraestrutura energética, rodoviária, ferroviária, aeroviária e aquaviária. A exemplo da própria Ferrovia Norte-Sul. Freitas ponderou que, com a 3ª Câmara, a pasta teve a oportunidade de defender o modelo ferroviário. ''Houve, naquela oportunidade, abertura de espaço para diálogo, em que nos foi oportunizado mostrar tudo que tinha sido pensado, esclarecer dúvidas, e houve postura da 3ª Câmara muito interessante'', sustentou.


No sentido de compreender as condições da modelagem feita, Freitas avaliou que foi possível dar prosseguimento ao leilão e firmar um termo de compromisso que, para ele, é um marco. ''A gente acordou de ter um diálogo contínuo, acompanhamento das ações relacionadas à provisão da infraestrutura ferroviária, e a gente tem mantido, desde então, um diálogo frequente com a 3ª Câmara'', frisou. ''Aí, eu tenho de destacar a postura de todos os procuradores da República da 3; Câmara, que é uma postura proativa, de construção, de diálogo.''

A proximidade entre Aras e setores do governo, porém, levanta temores até mesmo na equipe da Lava-Jato, que avalia a possibilidade de interferências nas ações. Em declarações anteriores, ele criticou eventuais prejuízos econômicos causados pelas ações da operação em grandes empresas brasileiras.

''O Presidente da República indicou, na data de ontem (quinta-feira), para PGR, um nome fora da lista tríplice, a qual, num processo aberto, democrático e transparente põe em evidências posturas, planos e projetos daqueles que almejam se tornar PGR''
Trecho da carta dos dois procuradores