Correio Braziliense, n. 20650, 06/12/2019. Mundo, p. 12

A caminho do impeachment


O futuro do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na Câmara dos Representantes deverá ser decidido até o Natal. Nancy Pelosi, líder da Casa, determinou ontem a Jerry Nadler, chefe do Comitê Judiciário, que redija as acusações do processo de impeachment do republicano. "Infelizmente, mas com confiança e humildade, com lealdade aos nossos fundadores e um coração cheio de amor pelos Estados Unidos, hoje estou pedindo ao nosso presidente (do Comitê Judiciário que proceda com a redação dos artigos de impeachment", declarou a democrata.

De acordo com Pelosi, Trump "abusou do poder em benefício político próprio" e suas ações "violaram gravemente a Constituição". "Nossa democracia é o que está em jogo. O presidente não nos deixa escolha a não ser agir, pois ele tenta corromper, uma vez mais, a eleição em benefício próprio. O presidente se envolveu em abuso de poder, minou nossa segurança nacional e comprometeu a integridade de nossas eleições. Essas ações são um desafio à visão de nossos fundadores e ao juramento de seu cargo para preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos." Apesar de Pelosi não ter enumerado os possíveis crimes cometidos por Trump, analistas creem que ele poderá ser acusado de suborno, abuso de poder, obstrução do Congresso e obstrução de Justiça.

Steve Cohen, congressista democrata membro do Comitê Judiciário, admitiu ontem que os artigos "certamente" incluirão as acusações de abuso de poder e de obstrução do Congresso. Como a maioria dos membros da Câmara controlada pelos democratas expressou a intenção de apoiar o procedimento, Trump provavelmente se tornará o terceiro presidente da história dos EUA a ser levado a julgamento político pela Câmara de Representantes (leia a nota ao lado).

Trump seguiu a cartilha e despejou fúria por meio do Twitter. "Os nada fazem e democratas radicais da esquerda acabam de anunciar que buscarão o meu impeachment sobre nada. Eles desistiram das ridículas 'coisas' de (Robert) Mueller (procurador especial), então agora penduram seus chapéus sobre duas ligações telefônicas totalmente apropriadas (perfeitas) com o presidente da Ucrânia (Volodimir Zelenski)", escreveu. "Isso significa que além de importante e egoísta ato de impeachment será usado rotineiramente para atacar futuros presidentes. Não é isso que nossos fundadores tinham em mente. A boa coisa é que os republicanos JAMAIS estiveram tão unidos. Nós venceremos!", acrescentou.

Desafio
O republicano desafiou o Senado a levar adiante o julgamento político, após uma provável aprovação do impeachment pela Câmara, controlada pelos democratas. "Eles não têm um caso de impeachment e estão degradando nosso país. Mas nada importa para eles, eles ficaram loucos. Portanto, eu lhes digo, se vão me impugnar, façam-no agora, rápido, de forma que tenhamos um julgamento rápido no Senado e nosso país possa voltar a trabalhar", declarou Trump. No entanto, Pelosi, a terceira autoridade dos Estados Unidos e a opositora mais poderosa, classificou os fatos expostos pela investigação do Comitê de Inteligência da Câmara como "indiscutíveis". "Se permitirmos que um presidente esteja acima da lei, certamente colocaremos nossa república sob risco."

Líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell acusou Pelosi de fazer um discurso para avançar em seu processo de impeachment "apressado e partidário". "Ela não deu nem uma palavra sobre a notável legislação de que o povo americano realmente precisa. Nada sobre o USMCA (acordo de livre-comércio entre Estados Unidos, México e Canadá), nada sobre a Lei de Autorização de Defesa Nacional, ou sobre o financiamento de nossas forças armadas", criticou. Na véspera, McConnell tinha afirmado que os democratas tinham "obsessão" pelo impeachment. Por sua vez, o líder da minoria republicana na Câmara, Kevin McCarthy, advertiu que os EUA estão "mais fracos" pelo fato de os democratas terem colocado o julgamento político à frente "de todas as outras coisas que o povo americano deseja".

Para o democrata Adam Schiff, presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, o anúncio de Pelosi é um "marco significativo". "Foi tomada a decisão de apresentar os artigos (de impeachment) ante o comitê. Obviamente, teremos muitas discussões sobre como levar em conta esses artigos", comentou. Na segunda-feira, o Comitê Judiciário da Câmara sediará a próxima audiência de impeachment, cinco dias depois de três especialistas em direito constitucional terem defendido a existência de bases sólidas para um processo contra Trump.

 Frase
"Infelizmente, mas com confiança e humildade, com lealdade aos nossos fundadores e um coração cheio de amor pelos Estados Unidos, hoje estou pedindo ao nosso presidente (do Comitê Judicial
da Câmara de Representantes, Jerry Nadler) que proceda com a redação dos artigos de impeachment"
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos

TUITADAS
"A boa coisa é que os republicanos JAMAIS estiveram tão unidos. Nós venceremos!"
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos

 Bastidores
"Não mexa comigo!"
Ao fim da entrevista coletiva realizada após o pronunciamento à imprensa, a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, se irritou com um jornalista que insinuou sobre suposto ódio em relação a Donald Trump. "Não mexa comigo!", respondeu a deputada, de dedo em riste (foto). Ela retornou ao microfone e disse acreditar que Trump é um covarde, mas somente por suas posições políticas. "Como católica, eu me recinto de você usar a palavra 'ódio' em uma frase que diz respeito a mim. Eu não odeio ninguém. Então, não mexa comigo quando se trata de palavras como essa."

 Rudy Giuliani em Kiev
O ex-prefeito de Nova York e advogado de Donald Trump, Rudy Giuliani (E), figura central no processo de impeachment do presidente norte-americano, esteve em Kiev, ontem, como parte de um programa de combate à corrupção. A revelação foi feita pelo deputado ucraniano Andrei Derkach. "Rudy Giuliani voou para Kiev e nos encontramos para discutir a criação do grupo parlamentar 'Amigos da Ucrânia Basta Corrupção'", escreveu no Facebook, ao publicar a foto do encontro. "A participação de Giuliani será muito útil para o nosso grupo. Pode ajudar na participação de especialistas internacionais, analistas e jornalistas." Andrei Derkach, que exerce mandato de deputado quase ininterruptamente desde 1998, integrou diferentes blocos políticos conforme as oportunidades.

 Manobra de advogados
Os advogados de Trump pediram à Corte Suprema dos Estados Unidos que bloqueie uma intimação para a entrega de seus documentos financeiros. A justificativa é de que a Câmara dos Representantes excedeu sua autoridade quando ordenou a uma empresa de contabilidade do republicano que entregasse seus registros pessoais. Os juízes da Corte Suprema se reunirão em exatamente uma semana para debater um pedido similar em relação a uma intimação, por parte do grande júri de Nova York, para as declarações fiscais de Trump.

 O quarto julgamento
Os EUA assistiram a três processos de impeachment, mas nenhum deles se encerrou com a destituição do presidente. Andrew Johnson (E), no século 19, e Bill Clinton (D), na década de 1990, resistiram ao julgamento no Senado. Richard Nixon (C), no entanto, renunciou em 1974 em meio ao escândalo Watergate, antes mesmo de o caso ser submetido ao Senado.