Título: A segunda via de negociação
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 06/02/2005, Internacional, p. A9

Reunião entre Sharon e Abbas é exemplo de resultado dos esforços da sociedade civil em promover diálogos de paz

O premier de Israel, Ariel Sharon, e o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mohmoud Abbas, se reúnem na terça-feira em Sharm el-Sheikh, no Egito. A expectativa é a de que o cessar-fogo seja proclamado pelos palestinos e também adotado, embora sem anúncio, pelos israelenses. Mas para que este acordo pudesse ser negociado agora, muito se trabalhou na chamada diplomacia civil (track 2 diplomacy) - quando acadêmicos, especialistas em política, economia e outros setores, jornalistas, ONGs e membros de câmaras de comércio de ambos os lados se encontram para buscar soluções de paz ou prevenção de conflito.

- O objetivo é fazer com que pessoas influentes consigam convencer os governos, a diplomacia oficial, a adotar as soluções estudadas por eles. Acadêmicos geralmente têm acesso ao poder, porque são experts em determinados assuntos, e as idéias acabam chegando a ministérios, a gabinetes - conta ao JB Edward Kaufman, membro do Centro para Desenvolvimento Internacional e Gestão de Conflitos e professor na universidade de Maryland (EUA).

Mas quando o governo não ouve as propostas ou não as aceita, a alternativa é mobilizar a opinião pública. Este, explica Kaufman, é um desdobramento mais recente e abrangente da diplomacia cidadã:

- A maioria dos conflitos hoje não é entre Estados, mas internos nas nações, disputas étnicas, religiosas, sociais, políticas. Além de ir galgando adeptos no governo, o trabalho de paz consiste em lidar com as raízes do problema, as pessoas em conflito, e movimentar a sociedade civil. A opinião pública é crucial no processo decisório, influencia autoridades.

Clovis Brigagão, coordenador do Grupo de Análise e Prevenção de Conflitos Internacionais, lembra que apesar de o conflito árabe-israelense ser o mais preocupante da atualidade, a fórmula da diplomacia de negociação pode beneficiar outros países. Como o Haiti.

- Há ONGs, representantes da sociedade civil, trabalhando no Haiti. Há a missão de estabilização da ONU, há financiamento dos Estados Unidos e União Européia para a manutenção da paz. E o trabalho das organizações é atuar em favor da educação, da saúde, formar as bases dos direitos básicos para então tentar discordâncias remanescentes - diz.

No entanto, Eduarda Hamann, professora de Organizações Internacionais da PUC-Rio, alerta que nem sempre a presença de ONGs em um território turbulento garante negociações de paz.

- Há a lição da Somália, no início da década de 90. Muitas organizações chegaram lá mesmo antes da missão de paz da ONU, não tinham experiência de Somália, atuavam sem organização. Houve desperdício de alimentos e os agentes tinham que contratar guerrilheiros para fazer sua segurança, o que perpetuava a crise - relata.

Mas para este exemplo ruim - ''que é antigo, hoje as ONGs são mais numerosas, mas mais experientes'' - Hamann cita o contraponto da Macedônia, que conseguiu evitar um envolvimento violento no conflito dos Bálcãs, nos anos 90, ao aliar a diplomacia oficial com a cidadã nas negociações de independência da então Iugoslávia.

- As ONGs ajudaram a monitorar as eleições e minimizaram as diferenças étnicas com diálogo, seminários. A ONU entrou na Macedônia em 92, mas para ajudar neste processo - lembra. - Ainda ocorreram alguns casos de violência, mas nada que se compare à guerra somali.