Correio Braziliense, n.20571, 18/09/2019. Política. p.3

Conselheiro é denunciado no caso Marielle

Leonardo Cavalcanti


No último ato como procuradora-geral da República, Raquel Dodge denunciou um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) e um delegado da Polícia Federal por obstruir as investigações sobre os assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorridos em março de 2018. Também entraram na lista de Dodge um suspeito de integrar milícia, um assessor jurídico e uma advogada.

Em entrevista coletiva no início da noite de ontem, Dodge disse que pediu a abertura de investigação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para saber se o mandante do assassinato da vereadora foi Domingos Brazão, conselheiro afastado do TCE-RJ. Além dele, foram denunciados o assessor Gilberto Ribeiro da Costa, o policial federal Hélio Kristian, o policial militar Rodrigo Ferreira e a advogada Camila Moreira.

Segundo Dodge, o grupo participou de uma encenação para o desvirtuamento da investigação. A procuradora-geral pediu a federalização das apurações sobre os mandantes do crime. Em março, os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Elcio Vieira de Queiroz haviam sido denunciados por homicídio qualificado pelo Ministério Público do Rio e pela Polícia Civil do Estado.

“Domingos Brazão, valendo-se do cargo, da estrutura do seu gabinete no TCE, acionou um de seus servidores, agente da PF aposentado, para engendrar uma simulação que consistia em prestar informalmente depoimentos perante o delegado Hélio Kristian e, a partir daí, levar uma versão dos fatos à Polícia Civil do Rio, o que acabou paralisando a investigação ou conduzindo-a para um rumo desvirtuado por mais de um ano”, disse Dodge. Os envolvidos haviam negado anteriormente terem participado do crime.

Na coletiva de imprensa, uma espécie de balanço da gestão de dois anos à frente do Ministério Público, Dodge fez questão de ressaltar que recebeu a documentação apenas na segunda-feira, conseguindo fazer a denúncia somente ontem. Questionada sobre o fato de ter tomado algumas medidas que eventualmente poderiam desgastá-la em relação ao governo Jair Bolsonaro apenas depois de estar definitivamente descartada a recondução, a PGR afirmou que sempre se pautou pelo cuidado nas denúncias e que não agiu de maneira estratégica.

Nos últimos dias antes do fim do mandato, Dodge soltou pareceres sobre demarcação de terras indígenas, deportação de estrangeiros, identidade de gênero e drogas. Ontem, ela desejou êxito a Augusto Aras, procurador escolhido por Bolsonaro para chefiar o Ministério Público, mas não quis entrar em detalhes se a ligação entre os dois poderia ser prejudicial. “O MP tem o dever de controlar o poder, com liberdade e autonomia.”

Ao ser perguntada se foi responsável pelo arrefecimento das denúncias de casos como o da Lava-Jato e mesmo sobre o pedido de arquivamento de trechos de delações, Dodge ressaltou que é minuciosa. “Promover a Justiça não é promover a vingança. Deve-se denunciar quando se tem provas. O que posso dizer também é que na minha gestão não houve vazamentos”, frisou ela, que passa o cargo para o subprocurador Alcides Martins até que o Senado aprove, depois de sabatina, o nome de Aras, o que está previsto para ocorrer no próximo dia 25.

Frase

“Promover a Justiça não é promover a vingança. Deve-se denunciar quando se tem provas. O que posso dizer também é que na minha gestão não houve vazamentos”

Raquel Dodge, procuradora-geral da República