Título: Do Inferno Astral ao Paraíso das Pesquisas
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2005, País, p. A3

Altos índices de Lula não surpreendem especialistas que citam estabilidade da economia, ação social e magnetismo pessoal

Parecem dois mundos distintos. A julgar pelas manchetes dos jornais, pelas críticas contundentes dos intelectuais, os violentos discursos da oposição e as faixas carregadas por sindicalistas e universitários, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está em pleno inferno astral. O panorama muda radicalmente quando os números das pesquisas falam mais alto. Lula continua imbatível como candidato à reeleição e os índices de aprovação do presidente chegaram a 66,1%, na última amostra CNT/Sensus. Sérios contratempos como a derrota no Congresso - depois das tentativas de cooptação, bombardeadas pelos formadores de opinião - a má repercussão do polêmico improviso sobre suposta corrupção no governo Fernando Henrique, e os desacertos com políticos aliados, em nada abalaram os ótimos índices que vem sendo mantidos nos últimos meses pelo presidente.

Não faltam comparações, como a avassaladora vitória de Rosinha Matheus, enquanto intelectuais, estudantes, sindicalistas e amplos setores da classe média viravam a cara para a atual governadora. As urnas mostraram que esses segmentos, antigamente decisivos num Estado que já foi conhecido como a ''caixa de ressonância nacional'', se tornaram eleitoralmente inexpressivos.

Há quem veja semelhanças de atuação. Lula, a exemplo do ex-governador Anthony Garotinho e de Rosinha Matheus, também estaria se voltando para as áreas mais pobres, conquistando os rincões afastados e as periferias das grandes cidades com programas assistenciais compensatórios, apesar dos problemas de gestão que geraram crises internas no governo. De acordo com essa hipótese, como os mais pobres não têm poder de vocalização, dificilmente as eventuais manifestações de agrado e simpatia dos beneficiados chegam aos principais veículos .

Lula está de fato priorizando a atuação na área social, concorda o cientista político Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj). Mas as comparações com a atuação do casal Garotinho, segundo ele, param por aí:

- A população atingida, nos dois casos, é muito carente e rende votos. Mas os programas são estruturados de forma bastante diferente. Os do governo federal são mais amarrados, exigem contrapartidas como forma de promover socialmente os grupos atendidos.

Os programas sociais unificados pelo governo, que já atingem 5 milhões de famílias, facilmente reverberam para um público que pode chegar a duas ou três vezes o grupo inicialmente atingido, observa Marcus Figueiredo:

- A vizinhança, que não é diretamente atingida, cria uma expectativa favorável, no sentido de que também espera receber algum tipo de benefício. Mesmo quem toma conhecimento dos programas através de uma eventual crítica veiculada pela televisão, pode, dessa maneira, descobrir que também tem direitos - explica o professor do Iuperj.

Há um consenso de que alguns temas que mobilizam camadas da sociedade com maior acesso à informação não repercutem da mesma forma na maioria da população. O professor Francisco Ferraz, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - especialista em marketing político - observa que a magnitude dos problemas enfrentados pelas camadas mais pobres faz com que o dia-a-dia da política tenha importância muito menor, como fonte de preocupações e interesse.

- Essas pessoas estão proporcionalmente muito mais envolvidas com a sua vida individual do que com a vida do país. O que interessa, de fato, é se a inflação não está corroendo o salário e se são favoráveis as expectativas de emprego. Mas se a economia se refletir na vida de cada um de maneira desagregadora, aí não tem jeito - analisa Ferraz.

De acordo com os número da pesquisa CNT/Sensus, a principal preocupação dos brasileiros ainda é a geração de empregos, como indicam 48,4% dos entrevistados. No entanto, o mais recente percentual é inferior ao verificado no fim do ano passado (53,3%) o que sugere uma melhoria do nível de emprego.

A imagem positiva gerada pela estabilidade econômica, apesar das constantes críticas, tanto acadêmicas, quanto dos setores produtivos - que condenam os juros altos - é consenso, tanto para Ferraz, como para Figueiredo, como um dos fatores fundamentais que explicam a aceitação de Lula.

Os dois cientistas políticos realçam também o apelo pessoal do presidente. Os destemperos e desacertos verbais, o tom intimista e coloquial, os improvisos emocionados ou irados, são vistos em perspectivas diferenciadas. Se militantes de esquerda ou integrantes de movimentos sociais enxergam apelos demagógicos ou populistas, uma ''conversa para boi dormir'', de quem ''fala muito, porque faz pouco'', a percepção dos setores não organizados tende a ser diferente.

- Essas pessoas encontram na figura de Lula traços atraentes. Lula é é simpático, conta piadas, ri, fala das dificuldades do governo em linguagem popular e, sobretudo, transmite esperança. É espontâneo, parece sempre sincero, fala ''de coração'', se identifica com a massa - diz Ferraz.

Na visão de Marcus Figueiredo, a maioria da população identifica Lula como um amigo, ''alguém que está se esforçando para melhorar as coisas''.

Francisco Ferraz - que é editor do site Política para Políticos observa que o marketing da imagem do presidente é oferecido de forma segmentada para diferentes públicos, e não apenas para as camadas mais pobres.

- E ele de fato tem aceitação em outros segmentos, graças a fatores como o sucesso da política econômica e a fixação da imagem de alguém que era acusado de radical, mas que transmite a idéia de ponderação, de quem tem ''a cabeça no lugar''.

A idéia de que a popularidade de Lula só se torna acentuada nas camadas mais pobres da população é veementemente contestada pelo secretário geral da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência, Marcus Flora.

- Temos dados mostrando que a aprovação do presidente e do governo é homogênea em toda a sociedade e não apenas entre os mais pobres. Isso inclui a maior parte da intelectualidade, dos estudantes e formadores de opinião em geral. O que não quer dizer que que nessa área não existam setores ponderáveis com avaliação crítica negativa.

Na visão de Marcus Flora, a escolha de um presidente do PT foi amadurecida pela população ''durante muitos anos''.

- Por isso é errado reduzir a apreciação do resultado das pesquisas ao magnetismo pessoal de Lula. O povo mostra conhecer as dificuldades e limitações que herdamos e que se arrastam há décadas. Ao mesmo tempo, as pessoas já começam a sentir alguns resultados, como os avanços na economia e a ampliação dos programas sociais. Isso sem falar na aprovação de algumas reformas que criaram condições institucionais para que o país se transforme - conclui Marcus Flora.