Correio Braziliense, n.20571, 18/09/2019. Política. p.4

Rejeição ao governo aumenta
Entrevista: Thaís Moura


Pré-candidata à prefeitura de São Paulo pelo PSol, a deputada federal Sâmia Bomfim afirma que há um “desgaste do bolsonarismo” no país. Em entrevista ao CB Poder, programa do Correio em parceria com a TV Brasília, a deputada comentou o andamento das reformas da Previdência e tributária no Congresso Nacional e as perspectivas da oposição ao governo Bolsonaro. Para ela, a esquerda passa por um momento difícil por causa da “velocidade, intensidade e escalada autoritária” das medidas do Executivo. No entanto, a parlamentar também vê o aumento da insatisfação com o governo no país. “Ao longo desse processo, acho que a oposição vai se fortalecendo, consegue mostrar seu rosto, e até as eleições de 2022, ainda temos muito chão e muita coisa para fazer”, disse.

A aprovação da reforma da Previdência na Câmara foi uma festa para o governo, enquanto a oposição não teve protagonismo, inclusive com deputados oposicionistas votando a favor das mudanças. A oposição ao governo Bolsonaro existe mesmo?

A oposição, passa por um momento difícil, porque o ritmo de medidas do governo Bolsonaro é muito acelerado e intenso. Estamos em um processo de escalada autoritária, de modificação, inclusive, da estrutura jurídica para possibilitar que o projeto do governo caminhe com mais facilidade. Do meu ponto de vista, a Reforma da Previdência foi uma derrota para a oposição e para o povo brasileiro, mas o projeto original sofreu muitas modificações. O Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro queriam que fosse aprovada a capitalização e conseguimos retirar esse tema. Queriam que tivesse no mínimo 20 anos de contribuição, e conseguimos reduzir para 15 anos. Mesmo o acesso a partir da idade mínima para muitas categorias, nós conseguimos diminuir.

A esquerda não poderia estar se articulando melhor para defender as pautas que sempre defendeu, como a das minorias?

Após o impeachment de Dilma e a ascensão do governo Temer, há uma tentativa de rearticulação, que não é fácil, porque existem vaidades, disputas de protagonismo e diferenças de leitura sobre qual é a prioridade. E há uma correlação de forças concreta: nós somos minoria dentro do Congresso Nacional. Perdemos as eleições. Mas os dados indicam que a reprovação ao governo está crescendo muito rapidamente. Setores como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o governador (Wilson) Witzel, do Rio de Janeiro, querem se distanciar de Bolsonaro, porque veem que ele traz muitos problemas diplomáticos, para acordos comerciais, para a economia do país. Nesse processo, a oposição vai se fortalecer. Até as eleições de 2022, ainda temos muito chão e muita coisa para fazer. As próximas eleições podem interromper o processo de consolidação do bolsonarismo.

Tem muita gente dizendo que, independentemente do desgaste de Bolsonaro, vai ser difícil frear o bolsonarismo, porque uma parcela do eleitorado é favorável a um discurso autoritário e, talvez, não volte atrás.

Até outubro do ano que vem, haverá um processo de recomposição de atores e partidos, inclusive de direita, como João Dória, por exemplo. Algumas pessoas cogitam do ministro Sérgio Moro para ocupar o espaço de uma direita que não utilize esses elementos de excesso de autoritarismo ou de falta de habilidade política. Pode haver, inclusive, um movimento para o centro ou para a esquerda em cidades onde esse debate tem mais força. Em São Paulo, as eleições para o governo estadual foram muito apertadas entre o candidato do PSB e Dória, que conseguiu se eleger porque colou muito na imagem de Bolsonaro.

Na sua visão, qual vai ser a reforma tributária que o país vai ter, já que há duas propostas tramitando, uma no Senado e outra na Câmara?

O PSol atua na comissão da reforma tributária em prol de uma lógica de progressividade e de Justiça que exonere os mais pobres e a classe média e traga temas como a taxação de lucros e dividendos, que apenas Brasil e Estônia não utilizam, e tributação de grandes heranças. Ou para criar duas novas faixas do Imposto de Renda para aqueles com renda acima de 40 ou de 100 salários mínimos. Isso não atinge nem 800 mil pessoas, mas pode trazer uma arrecadação muito maior do que a reforma da Previdência.

Mais de 90% do orçamento da União está comprometido com despesas obrigatórias. A esquerda não precisa também defender a pauta de que o Estado deve gastar menos e melhor?

Obviamente, o Estado precisa gastar melhor, mas isso também significa cobrar mais daqueles que podem contribuir mais. Hoje, quem é mais pobre, quem é da classe média, proporcionalmente paga muito mais impostos do que os multimilionários, do que os bilionários, do que os ruralistas, do que o mercado financeiro.

Quais as pautas em torno das quais pode haver uma reorganização da esquerda?

Além da reforma tributária e da agenda das privatizações, dos temas relacionados à moral e aos costumes, o governo Bolsonaro vai querer flexibilizar a posse de armas, mesmo com o pacote apresentado pelo ministro Sérgio Moro, de reconfiguração do Código Penal. Tendo isso em vista, existe um alinhamento mais forte, na oposição, de uma direita democrática, porque isso pode instalar um clima de maior violência, de barbárie no país. Os temas de educação e meio ambiente, que surgiram com muita força este ano e trouxeram desgaste para o governo, também tem capacidade de pactuação entre muitas bancadas.
 

*Estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo