Título: Amazônia: miséria preocupa Exército
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2005, País, p. A7
Forças Armadas consideram risco de invasão improvável e elegem pobreza e desmatamento como principais problemas
A miséria na Amazônia traz mais preocupações ao Exército do que a hipotética invasão do território por guerrilheiros ou soldados de outros países. As declarações sobre a internacionalização da Amazônia são para o Exército ''utopias''.
Oficiais responsáveis pelo acompanhamento dos ''estudos de situação continuada'' afirmam que a miséria, o desmatamento e as queimadas são os principais focos de problemas da Amazônia. São justamente esses componentes que têm mobilizado os maiores efetivos do Exército. A miséria, explicam, tem gerado problemas como conflitos entre posseiros e grileiros na região. O exemplo é o recente envio de efetivos a Anapu (PA), para conter, na região em que foi morta irmã Dorothy, conflitos ligados à terra.
- O problema da Amazônia é social, não é militar - diz um general-de-divisão.
As três Forças desenvolvem trabalho social na Amazônia. Exército, Marinha e Aeronáutica têm atividades de atendimento a carentes e índios, vigilância e obras de infra-estrutura. Para o Exército, sobra ainda a contenção de conflitos. Esta semana, a Marinha comemorou recorde de atendimentos médicos na região do Rio Purus, onde ficam os paupérrimos municípios de Pauini e Lábrea.
Só o Exército tem mais de 30 mil homens na Amazônia. Em várias regiões, eles chegaram antes do juiz, do delegado ou do posto de saúde. As Forças Armadas representariam apenas o Estado Brasileiro na região, mas acabaram incorporando tarefas exclusivas do Governo Brasileiro, ligado às metas de desenvolvimento sustentável. Os militares têm convênios com todos os ministérios, incluindo o do Meio Ambiente, de Marina Silva.
Eventual invasão das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ou de guerrilheiros da Venezuela, para estes oficiais, é hipótese pouco provável. Primeiro que as Farc têm uma ''infra-estrutura'' (a renda com o transporte de produtos químicos e narcotráfico) em território colombiano. Além disso, as Farc, segundo estes oficiais, têm um ''projeto de poder'' político na Colômbia, que não inclui ocupação da fronteira brasileira.
- E eles conhecem o poder do Exército na fronteira - diz um oficial.
Os países da América Latina têm no Brasil um grande intermediário de conflitos, segundo as avaliações internas do Exército. Um grande mediador . Uma qualidades reconhecida do Exército, para estes oficiais, é a grande capacidade de liderar forças de paz, exemplo do que ocorre no Haiti. Para os oficiais, Colômbia, Venezuela e qualquer vizinho sabem que o Exército tem mais capacidade de organização de emprego tático e é superior em equipamentos.
Hipotética invasão dos Estados Unidos já foi objeto de alguns estudos de situação continuada. Mas os EUA são vistos como grandes aliados do Exército brasileiro. São um dos países com o qual o Brasil mais troca informações, treinamento, conhecimento e materiais.
Uma das poucas chances de intervenção externa na região Amazônica seria um ataque aéreo em massa. Em resumo, o despejo de uma série de bombas atômicas para destruir toda a região. Não interessaria a nenhum país destruir a maior reserva de água e de riquezas naturais do mundo, em áreas sem concentração de população. Não ter bomba atômica, para estes oficiais, é ponto positivo para o país.
- O Brasil não ameaça e não representa ameaça para ninguém. O Brasil é um país tolerante. Esta é a nossa grande mágica. Vivemos e deixamos os outros viverem. Atacar o Brasil é atacar o mundo - explica um general-de-brigada.
Ataque por terra na Amazônia é quase impossível. Alguns dos melhores batalhões na Amazônia são formados por índios e descendentes de índios. Todos fazem estágios dos cursos tipo ''jungle expert''. É um curso de selva. Há três boas escolas de ''jungle expert'' no mundo. Uma é no Panamá, onde os americanos mais treinam. Outra fica na Malásia. A brasileira fica em Manaus e chama-se Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS).
A diferença da escola brasileira são os alunos brasileiros, que moram na região. São os soldados indígenas, que carregam uma história de adaptação, convívio e resistência às características da região. Um dos assassinos da irmã Dorothy só foi encontrado graças, literalmente, ao faro de um dos soldados do Exército, que estava à frente do pelotão e sentiu o cheiro do criminoso a uma longa distância.
Segundo os oficiais ouvidos esta semana, estes soldados indígenas conhecem uma infinidade de cheiros e sons, que numa guerra poderia ser o diferencial entre vida e morte. É o ''índio fardado'', que cresceu na selva, resistiu às doenças, é preparado para combate em selva e é treinado com sofisticados equipamentos.
Em caso de guerra no meio de uma região inóspita como a Amazônia, a alta tecnologia dos países desenvolvidos, para estes oficiais, teria um limite de eficiência. A tecnologia pode também ser derrotada por vários fatores naturais, como espaço de tempo, distância, permanência, calor, água.
Tecnicamente, o Exército investe em estratégia de ''dissuasão'', uma forma de desencorajar o inimigo a entrar no país, sob ameaça de represália muito violenta. Em caso de invasão, o Exército deve usar principalmente a ''estratégia da resistência''. Um exército estrangeiro, se entrar na Amazônia, terá grande chance de não sair vivo. Alguns soldados estrangeiros que fizeram cursos na Amazônia tiveram de ser carregados de maca ao se deparar com os primeiros mosquitos.
Vários militares brasileiros fazem curso na Escola de Comando do Estado Maior dos Estados Unidos. E vários americanos fazem cursos na Escola de Comando do Estado Maior do Exército, no Rio, na Praia Vermelha. Esta troca de experiências também gera uma grande aproximação entre as Forças Armadas dos dois países.
Para os oficiais ouvidos, falar em internacionalização da Amazônia é fazer declaração ''fora de contexto''. É quem não conhece a questão amazônica, o Brasil ou o Exército nem sabe o que está falando.