Correio Braziliense, n. 20648, 04/12/2019. Mundo, p. 12

Evidências "esmagadoras" contra Trump
Rodrigo Craveiro


O 45º presidente norte-americano, Donald Trump, colocou os interesses políticos e pessoais acima da segurança nacional ao tentar convencer o colega ucraniano, Volodimir Zelenski, a investigar o democrata Joe Biden e o filho Hunter sobre supostos atos de corrupção. A conclusão do relatório do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes também aponta evidências “esmagadoras” que corroboram um processo de impeachment contra o republicano.

Trump foi avisado pouco antes da divulgação do dossiê de 300 páginas (leia Trechos), mas não recebeu detalhes sobre o conteúdo. Em viagem a Londres, onde participa de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), ele se referiu ao documento como “antipatriótico”. A Casa Branca reagiu, por meio da porta-voz Stephanie Grisham, que desqualificou o documento. “Esse relatório não mostra nada mais do que as frustrações (dos democratas), lê-se como as divagações de um blogueiro de pouca relevância que tenta demonstrar algo embora esteja claro que não tem.”

“As provas da má conduta do presidente são esmagadoras, assim como as evidências de sua obstrução ao Congresso”, afirma o relatório. “O presidente condicionou um convite à Casa Branca e uma ajuda militar à Ucrânia ao anúncio de investigações favoráveis para sua campanha. (…) A investigação constata que Trump, pessoalmente e atuando por meio de agentes dentro e fora do governo dos EUA, solicitou a ingerência em um governo estrangeiro, o da Ucrânia, para favorecer sua reeleição”, acrescenta. Ainda segundo o dossiê, Trump se engajou em esforços, durante um mês, para utilizar os poderes de seu gabinete e solicitar “interferência externa em seu nome nas eleições de 2020”.

Dano

O relatório adverte que “o dano para o sistema constitucional de separação de poderes será duradouro e potencialmente irrevogável, se a capacidade do presidente de obstruir o Congresso não for controlada”. “Qualquer futuro presidente se sentirá empoderado a resistir a uma investigação sobre seus próprios erros, suas más práticas ou corrupção, e o resultado será uma nação em risco.” O Comitê Judiciário da Câmara deverá iniciar hoje as audiências sobre a investigação, e a expectativa é de que uma votação sobre o impeachment ocorra até o Natal. O presidente descartou acompanhar as sessões de hoje e qualificou o processo como “absurdo”. Ainda que o impeachment seja aprovado na Casa, a possibilidade de o Senado decretar o afastamento de Trump, em um julgamento político, é considerada quase irrisória, ante a maioria republicana.

Na opinião de Roland Riopelle, ex-procurador-federal para o Distrito Sul de Nova York, a conclusão mais grave do relatório democrata é a de que o presidente convidou uma outra nação (Ucrânia) para se intrometer nas eleições norte-americanas, ao produzir material factual falso — no caso, a investigação de Biden e Hunter, jamais iniciada — com o propósito de manipular a votação. “Isso foi apenas para o benefício de Trump, não ajudaria os Estados Unidos de forma alguma. É exatamente o tipo de coisa que os redatores de nossa Constituição acreditariam justificar o impeachment e a remoção do cargo. Eles estiveram muito preocupados com a interferência externa e a intromissão nas eleições. É exatamente o que Trump queria que a Ucrânia fizesse.” Mark A. Peterson, professor de políticas públicas e ciência política da Universidade da Califórnia (Ucla), nada viu de surpreendente no relatório em relação ao tinha sido revelado nas audiências e nos depoimentos.

“Risco grave”

Presidente do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes, o democrata Adam Schiff saiu em defesa da aceleração do processo de impeachment. “Acho que há um risco grave para o país em esperar até que tenhamos todos os fatos, quando sabemos o suficiente sobre a má conduta do presidente, para fazermos um julgamento responsável sobre se achamos que isso é compatível com o cargo”, disse. Schiff afirmou que as conclusões do relatório sugerem que Trump se acha acima de uma acusação, de um impeachment e de qualquer prestação de contas. “É uma coisa muito perigosa para este país ter um presidente que acredite estar acima da lei. (…) Este relatório é a crônica do plano de um presidente dos EUA para coagir um aliado, a Ucrânia, que está em guerra com um adversário, a Rússia, para fazer o trabalho político sujo do presidente.” Por sua vez, Nancy Pelosi, líder dos democratas no Congresso, acusou Trump de “suborno” ao tentar pressionar Kiev.

Pontos de vista

Por Roland Riopelle

Impeachment justificado

“As conclusões do relatório do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes são extremamente sérias e justificam uma investigação de impeachment, além de um voto de impeachment na Casa. No entanto, continuo duvidando que o Senado votará para remover Donald Trump da Casa Branca. O impeachment funcionará como um tipo de censura ou de repreensão ao presidente.”

Ex-procurador-federal para o Distrito Sul de Nova York

Por Mark Peterson

Deserção Cimprovável

“Não há quase nenhuma razão para acreditarmos que os senadores republicanos abandonarão Trump. A base republicana está absolutamente com o presidente. Uma pesquisa da revista The Economist e do site YouGov.com afirma que os republicanos estão entre os que veem Trump um presidente melhor do que Abraham Lincoln. Qualquer pessoa séria sabe que o resultado é ultrajante.”

Professor de ciência política da Universidade da Califórnia (Ucla)

Frase

"Acho que há um risco grave para o país em esperar até que tenhamos todos os fatos, quando sabemos o suficiente sobre a má conduta do presidente, para fazermos um julgamento responsável sobre se achamos que isso é compatível com o cargo”

Adam Schiff, presidente do Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes