Correio Braziliense, n. 20648, 04/12/2019. Opinião, p. 11

Valores culturais
Carlos Moura


Com o objetivo de resgatar os valores identitários brasileiros originários da África, em 1988, criou-se a Fundação Cultural Palmares em razão das aspirações e das reivindicações dos movimentos negros que dialogavam com o Estado e a sociedade, na perspectiva da instituição de um ente público voltado à afrobrasilidade.

Magia da negritude, africanidade, identidade negra, são constituintes do nosso Estado — nação e território, a partir de homens e mulheres escravizados, os quais, com as virtudes do trabalho, a experiência do amanho da terra, as técnicas de mineração, a interpretação dos segredos, a fascinante expressão corporal, o encanto dos acordes e a paz de espírito, ergueram e sustentam o Brasil.

O cinzel de Aleijadinho, as músicas de José Maurício e Pixinguinha, as letras de Machado e de Carolina Maria de Jesus, o pincel de Heitor dos Prazeres, a engenharia de Rebouças, o canto de Clementina, as petições de Luís Gama, as militâncias de Joel Rufino, o parlamentar de Abdias e Caó — além de vasta lista — constituem exemplos dos quais todos se orgulham.

Entristece e revolta constatar os ataques a uma instituição da cultura, destinada também a encontrar mecanismos eficazes para a superação do racismo, do preconceito e da discriminação. São ponderações que nos conduzem a um dos maiores desafios da sociedade brasileira, sobre as quais negros, brancos e indígenas devem refletir.

O processo democrático brasileiro está em permanente construção, porque um Estado verdadeiramente democrático implementa ações no sentido do bem comum, da manutenção de uma ordem pública justa e de uma administração zelosa, na prestação de bens e serviços. Deve propiciar a promoção de homens e mulheres, na perspectiva da melhoria da qualidade de vida de toda a comunidade e a promoção da igualdade.

É na esteira de tais raciocínios que buscamos apoio na Constituição Federal, a Constituição Cidadã de 1988, que inclui entre os objetivos fundamentais do Brasil a erradicação da pobreza, da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, tal a norma do artigo 3º e incisos III e IV.

Um Estado de direito democrático e republicano tem o dever de instituir políticas públicas para a eliminação das desigualdades raciais. Assim, impõe-se ao Estado a adoção de medidas destinadas à erradicação do preconceito, da discriminação e do racismo, com a instituição de mecanismos eficazes de promoção da igualdade racial, religiosa e cultural entre negros e brancos, em particular, e entre todos os brasileiros, em geral. (...)

» CARLOS MOURA

Primeiro presidente da Fundação Cultural Palmares