Título: Melhor a cooperação que a influência
Autor: Juan Tokatlian e Robert Russel
Fonte: Jornal do Brasil, 06/03/2005, Internacional, p. A12

Durante o século 20, as relações da Argentina com os Estados Unidos e o Brasil tiveram um caráter triangular. As ligações de Buenos Aires com cada uma das nações foram sempre concebidas com os olhos voltados também para a outra. Mais ainda, o lugar de Washington e de Brasília foi se transformando para os argentinos no principal tema de política externa. Hoje, a dinâmica triangular foi influenciada por uma ruptura clara: o aumento do poder dos EUA e do Brasil em relação à Argentina. O fato trouxe conseqüências sobre as relações tanto com os EUA quanto com o Brasil. No caso das ligações com Washington (o que também vale para o relacionamento entre os EUA e o Brasil), trata-se de uma situação de assimetria que constitui uma forma radical de disparidade de poder. O ator mais poderoso conta com a capacidade de moldar a própria estrutura da vinculação. Por sua vez, a disparidade entre a Argentina e o Brasil (principal ator regional da América do Sul) denota relações desiguais, cujas implicações para o ator mais fraco são distintas daquelas de uma relação assimétrica.

No marco crescente de disparidade de poder entre os três países, a Argentina não pôde construir, ao mesmo tempo, um vínculo durável e proveitoso com os EUA ou com o Brasil. Historicamente, a oposição (primeiro) e as idas e vindas (depois) caracterizaram as relações com Washington. As com o Brasil foram dominadas por uma profunda cultura de rivalidade que só começou a se desenraizar na década de 80, sem que ainda se tenha produzido uma amizade consolidada.

Além disso, quando as relações tinham um perfil triangular, a Argentina e o Brasil apelaram, em momentos distintos, ao alinhamento com Washington para contrabalancear ou restringir o poder do outro na América do Sul.

Em dezembro de 2001, os dois atores mais fortes assumiram, frente à crise argentina, uma posição de controle de danos. Washington deu prioridade às considerações geopolíticas ligadas à preservação da frágil estabilidade na América do Sul. Evitou que as divergências políticas bilaterais contaminassem o processo de negociações da Argentina com os organismos multilaterais de crédito e terminou exercendo um papel importante para que Buenos Aires pudesse fechar os acordos com o FMI.

O Brasil baseou sua posição na necessidade de evitar que a crise o arrastasse. Brasília sempre procurou ressaltar a dimensão política dos problemas em Buenos Aires. Com tal postura, contribuiu para que o G7 adotasse uma postura mais flexível com relação à Casa Rosada.

O principal desafio para os três países é passar da estratégia de controle de danos para uma que possibilite a formação de uma ¿esfera de cooperação¿, mecanismo que combina elementos formais e informais e constrói a ordem em uma região mediante a ação conjunta de um núcleo de nações.

A esfera de cooperação supõe que a interdependência, a democracia e as instituições sirvam de constrangimentos ao poder. Assim, se opõe ao conceito clássico de ¿esfera de influência¿, um mecanismo das grandes potências para exercer uma posição predominante em uma região determinada, limitando a liberdade e o espaço de manobra dos Estados.

As principais funções de uma esfera de cooperação em uma região são as seguintes: proporcionar estabilidade; gerenciar e afastar conflitos; diluir o poder; dotar os atores menores de mais capacidade de ação; gerar confiança; reduzir a incerteza e evitar falhas de percepção.

A experiência posterior à crise argentina mostra que Buenos Aires, Washington e Brasília podem atuar de forma cooperativa para fazer frente a situações críticas, ainda que os comportamentos tenham sido limitados a uma estratégia de controle de danos que está muito longe de cumprir as funções de uma esfera de cooperação.

Os EUA poderiam baixar os custos militares, políticos e econômicos; não dispenderiam recursos que necessitam em outras partes; diminuiriam os riscos de uma extensão demasiada do poder; recuperariam a reputação na área; criariam um precedente para a resolução de crises; protegeriam o território de riscos como novos processos de imigração ou fluxos de drogas mais intensos e contribuiriam à formação de uma sociedade estratégica argentino-brasileira que poderia funcionar para a manutenção da segurança e da paz na região.

O Brasil ganharia liderança e prestígio; tenderia a possibilidade de exercer uma diplomacia operante e eficaz; evitaria o efeito dominó da crise andina e lograria baixar os temores que existem entre os vizinhos sobre o ¿hegemonismo¿ brasileiro.

A Argentina encontraria a chave principal para recuperar o seu prestígio, para construir um soft power no plano internacional e dar uma dinâmica positiva para as relações com os EUA e o Brasil. Poderia também conter os potenciais efeitos desestabilizadores do turbilhão andino e aproveitar melhor que a agenda hemisférica voltasse a se concentrar nos temas econômicos, vital para a reconstrução produtiva do país.

A esfera de cooperação poderia ser, portanto, um mecanismo em que os três países têm muito a ganhar, e serviria para demonstrar que podem ser criados espaços de colaboração em situações de grande disparidade de poder e ainda de assimetria. Para isto, é preciso que os atores mais fracos compensem o desequilíbrio na mesa de negociações, com vontade política, clareza estratégica e capacidade institucional, o que hoje, possivelmente, consiste no principal desafio da Argentina.

O texto foi originalmente publicado no jornal La Nación