Correio Braziliense, n. 20725, 19/02/2020. Economia, p. 8

Declarada ilegal, greve continua

Simone Kafruni



Apesar de o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ter considerado a greve dos petroleiros ilegal, em despacho do ministro Ives Gandra na noite de segunda-feira, a paralisação chegou ao 18º dia ontem, culminando com uma manifestação em frente ao prédio da Petrobras, no Rio de Janeiro. A Federação Única dos Petroleiros (FUP) entrou com recurso contra a decisão monocrática do ministro; no entanto, segundo o tribunal, até o recurso ser analisado, seguem as determinações de Gandra, que permitem à Petrobras “sanções disciplinares” aos grevistas e impõem multa de até R$ 500 mil por dia de continuidade.

Segundo a FUP, 21 mil funcionários de 121 unidades da estatal em 13 estados estão parados e assim permanecerão até que a petroleira atenda as reivindicações da categoria. Os sindicatos comemoraram a decisão do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT-PR), proferida ontem, que suspendeu até 6 de março a demissão de cerca de 1 mil funcionários da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados do Paraná (Fafen), também chamada de Araucária Nitrogenados SA (Ansa).

“Foi uma vitória parcial importante dos petroleiros. A desembargadora Rosalie Michaele Bacila mostrou sensibilidade com a situação dos trabalhadores e suas famílias e abriu espaço para que a categoria possa ser ouvida em seus pleitos”, afirmou a entidade, em nota. As bases da Federação Nacional de Petroleiros também aderiram à greve. “A FNP defende lutas e negociações unificadas”, disse, também em nota.

O desligamento coletivo dos funcionários da Ansa motivou a greve, mas não é o único pleito, segundo Deyvid Bacelar, diretor da FUP, que participa da comissão de negociação desde 31 de janeiro, ocupando uma sala da Petrobras. “Estamos aguardando o bom senso da gestão, a suspensão das demissões e de medidas unilaterais que foram impostas para categoria. O fim da greve depende, agora, da Petrobras”, disse o sindicalista. Segundo ele, a desembargadora Rosalie entendeu que a estatal descumpriu o acordo coletivo, que não permitia demissões em massa. “Foi uma negociação em convenção, assinada e acordada”, destacou Bacelar.

Pauta

Contudo, segundo o diretor da FUP, a decisão do TRT resolve uma parcela da pauta de reivindicações. “Também pedimos a suspensão das medidas unilaterais tomadas pela empresa sem respeitar os fóruns de negociação, como mudar a tabela de turno de revezamento.Ela impôs a alteração, que mexe com a vida do trabalhador, porque trata de horários de trabalho (giro de turnos de 8h ou 12 h), sem negociar com o sindicato”, destacou. “A nossa decisão é que a greve está mantida até que todos os itens sejam atendidos”, reforçou.

No TST, o departamento jurídico da federação entrou com recurso contra a decisão monocrática de Ives Gandra. “Precisa passar pelo colegiado da Seção Especial de Dissídios Coletivos (SDC). Até que o recurso seja analisado não há ilegalidade. Esperamos pela reavaliação dos ministros”, argumentou Bacelar. A paralisação começou em 1º de fevereiro e, três dias depois, a Petrobras recorreu ao TST. O ministro Ives Gandra atendeu ao pedido da estatal, mas a decisão foi revista pela SDC. A Petrobras, então, recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) e foi atendida pelo ministro Dias Toffoli. Conforme a assessoria do TST, até a análise dos recursos, está valendo a última decisão do ministro Ives Gandra.

Para Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), a greve tem cunho político e ideológico, porque, em novembro do ano passado, houve acordo de salários. “Essa alegação de demissão numa empresa que dá prejuízo para a Petrobras, no fundo, é uma tentativa de desmobilizar a direção atual da Petrobras com o argumento de que está desmontando a empresa”, avaliou. “Isso pode ter consequências. Até hoje, não trouxe problema para o cidadão, porque a estatal mobilizou empregados que não aderiram, e terceirizou algumas atividades. Mas pode reduzir a produção de petróleo”, estimou.

A Petrobras antecipou bônus aos funcionários que não aderiram e garantiu que a greve não afetará o abastecimento. Pires disse que, caso falte combustível, a petroleira e importadores privados podem comprar no mercado internacional. “A greve está acontecendo num momento em que o preço do petróleo caiu por conta do coronavírus, por isso não deve afetar preço”, ressaltou o especialista. “A Petrobras vai jogar duro, vai ter contracheque saindo negativo, porque está autorizada a cortar salário pelos dias não trabalhadores. A greve é ilegal”, disse.

No entender do diretor de Comunicação da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), Fernando Siqueira, o fechamento da Fafen/Ansa foi apenas a gota d’água. “A greve é uma tentativa de alertar o povo brasileiro sobre o desmonte da Petrobras. A empresa vendeu vários ativos estratégicos por preços aviltantes”, explicou. Segundo ele, a venda dos campos de Carcará, Lapa e Iara, da distribuidora Liquigás e das redes de gasodutos TAG e da NTS somam prejuízo de RS 200 bilhões em geração de caixa. “Estão programadas as vendas de oito refinarias gerando desemprego e enfraquecimento da Petrobras para entregar o pré-sal”, alegou.