Correio Braziliense, n. 20677, 02/01/2020. Política, p. 3

Críticas a veto aos objetivos da ONU

Augusto Fernandes


Dias depois de vetar a inclusão dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), a chamada agenda 2030, nas diretrizes do Plano Plurianual (PPA) da União para o período de 2020 a 2023, o presidente Jair Bolsonaro fez críticas ao documento, ao alegar que o texto defende temas como aborto e ideologia de gênero. “Dentre as ‘metas’ da agenda 2030 estão a nefasta ideologia de gênero e o aborto, sob o disfarce de ‘direitos sexuais e reprodutivos’”, escreveu o presidente, na sua conta oficial do Twitter.

Na agenda produzida pela ONU, contudo, não há menção à palavra “ideologia”. De qualquer forma, o item de número 5 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável versa sobre “alcançar a igualdade de gênero e empoderar a todas as mulheres e meninas”. Para alcançar a meta — destaca a entidade — é importante atender a uma lista com nove tópicos, entre eles, acabar com todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas e garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública.

Além disso, um trecho estabelece ser necessário assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e aos direitos reprodutivos, com a disponibilização de serviços “acessíveis, aceitáveis e de alta qualidade”, como aborto seguro, assistência pós-aborto nos casos permitidos por lei, entre outros.

No Brasil, o aborto é permitido em situações específicas. O acesso ao procedimento médico só pode ser permitido em casos de estupro, de risco de morte para a mãe e o bebê ou de fetos com anencefalia (ausência de cérebro).

Reação

As declarações de Bolsonaro incomodaram membros do Congresso. Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Helder Salomão (PT-ES) considerou “um retrocesso o Brasil se negar a discutir 17 objetivos que visam tornar a humanidade melhor”.

“É claro que, ao aderir a este movimento de construir 17 objetivos para toda a humanidade, não temos de concordar com todos. Mas negá-los significa negar a possibilidade da construção não só de um país melhor, mas de um planeta melhor”, disse. “Bolsonaro se nega a debater temas tão importantes usando um discurso rasteiro, batendo na tecla de que se trata de um discurso ideológico, como se o que ele defendesse não fosse uma ideologia.”

Salomão garantiu que o veto de Bolsonaro encontrará resistência no Congresso. Assim que começar o ano legislativo, em 1º de fevereiro, o parlamento terá de promover sessão conjunta para deliberar sobre a derrubada imposta pelo presidente — para reverter a medida, são necessários os votos da maioria da Câmara (257 deputados) e do Senado (41 senadores).

O coordenador do Grupo de Pesquisa Preconceito, Vulnerabilidade e Processos Psicossociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Ângelo Brandelli, disse que o Brasil está “indo no contrafluxo das outras nações desenvolvidas que mantêm essa agenda e seguem para que ela seja implementada”.

“Esse documento contém princípios que foram pactuados por uma série de assembleias, eventos e conferências internacionais. Os objetivos relativos ao gênero, em particular, foram pactuados em várias portarias em que o Brasil tomou uma posição de liderança, inclusive”, destacou. “Portanto, é muito ruim que o presidente dê essa declaração, pois vai contra um histórico de proposições positivas que o Brasil fazia e de compromissos que o país assinou.

Escolha

A expressão ideologia de gênero remete à ideia de que ninguém nasce homem ou mulher, portanto, cabe a cada ser humano decidir a própria orientação sexual ao longo da vida. Para os que acreditam nesse pensamento, gêneros são construções sociais.