O Estado de S. Paulo, n. 46165, 10/03/2020. Política, p. A6
 

MP de Contas pede que prefeitos não comprem kits
Patrik Camporez
Idiana Tomazelli


O Ministério Público que atua no Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou ontem à Corte apuração de indícios de irregularidades na contratação de mais de 3 milhões de kits escolares pelo Ministério da Educação. Na sexta-feira, o Estado mostrou que o material seria fornecido por uma empresa acusada de desvios na Paraíba. Na representação, o subprocurador-geral Lucas Furtado alerta prefeitos e demais entes públicos a não destinarem recursos para essa finalidade, uma vez que “estarão adquirindo materiais a serem fornecidos por empresas acusadas de corrupção”.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, divulgou pelo menos quatro vídeos nas suas redes sociais pedindo que prefeitos cobrem dos deputados a destinação de emendas parlamentares para a compra dos kits, que contêm lápis, caneta, borracha, giz de cera e outros itens. O volume da compra pode chegar a R$ 406 milhões.

O Estado mostrou que, mesmo tendo sido alertada de que a Brink Mobil e seu proprietário, Valdemar Abila, são acusados de envolvimento em um esquema que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público da saúde e da educação na Paraíba, a diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento de Educação (FNDE) prosseguiu com a contratação da empresa.

A Brink foi alvo da Polícia Federal e do Ministério Público da Paraíba na Operação Calvário II, que prendeu o ex-governador Ricardo Coutinho. Delatores relataram que Abila enviava propina de Curitiba para a Paraíba em avião fretado. Coutinho e Abila foram denunciados em dezembro pela Procuradoria. Não houve condenação.

Após a publicação da reportagem, Weintraub disse no Twitter que não poderia excluir a empresa do negócio sob risco de cometer crime. “A empresa ganhou a licitação e não estava condenada, não tenho como excluí-la (eu estaria cometendo um crime)”, escreveu. O MEC afirmou que o processo para a compra dos kits respeitou a legislação em todas as fases.

Na representação entregue ao TCU, o Ministério Público oferece um argumento contrário ao do ministro. Alega que a decisão do MEC e do FNDE de prosseguir com a formalização da ata com as empresas investigadas descumpre princípios constitucionais da administração pública e colocam em risco a vantagem da contratação.

Furtado ressalta na representação que não é incomum o cancelamento de licitações após a verificação, por parte de autoridades, de suspeitas de irregularidades no passado de uma empresa, mesmo que a empresa não tenha sido condenada. “Essa prudência busca preservar a observância do princípio da moralidade na administração pública, princípio expressamente replicado nas regras que devem ser observadas nas licitações e contratações. Procura-se, com essa prudência, certificar-se que a proposta mais vantajosa foi a escolhida.”

O MP cita, na solicitação de investigação, o artigo 37 da Constituição Federal. O trecho diz que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios “obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

“Ora, numa situação de investigação criminal pesando sobre empresas chamadas a subscrever ata de registro de preços com valores na casa das centenas de milhões de reais e para fornecimento de bens essenciais para o regular desenvolvimento da educação de crianças e adolescentes, não é difícil divisar o risco envolvido, a ponto de ser fortemente questionado se a melhor condição de compra foi observada pelo MEC e pelo FNDE”, argumenta.

Também ontem, o Movimento Brasil Livre (MBL) anunciou que está entrando com uma ação popular contra o Ministério da Educação por causa do contrato fechado com a Brink.

Defesa. Em nota, a empresa Brink Mobil disse que “não tem impedimento de participar de concorrências públicas em todo o território nacional por nunca ter sido condenada judicial ou administrativamente”. Afirmou ainda que “está à disposição da Justiça, mas que não responde a nenhuma acusação de superfaturamento ou fraude” na Paraíba. Procurado, o MEC não respondeu aos questionamentos da reportagem.

'Moralidade'

“Essa prudência busca preservar o princípio da moralidade na administração pública, replicado nas regras que devem ser observadas nas licitações. Procura-se, com essa prudência, certificar-se que a proposta mais vantajosa foi a escolhida.”

Lucas Furtado

Subprocurador-Geral no TCU