Correio Braziliense, n.20570, 17/09/2019. Mundo. p.13

Corrida pelos últimos votos



A escalada de tensão no Golfo Pérsico entre Irã e Arábia Saudita, com os Estados Unidos em guarda, deu o toque dramático de última hora para um dia decisivo em outro país que respira no cotidiano os impasses e perigos do Oriente Médio. Israel volta hoje às urnas, menos de seis meses depois de uma eleição sem vencedor, com a perspectiva real de se ver novamente com uma Knesset (parlamento) sem maioria. As últimas pesquisas de opinião projetaram empate entre o partido direitista Likud, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e o centrista Kahol Lavan (“azul e branco”, as cores nacionais), do general Benny Gantz. Correndo por fora, o ex-ministro da Defesa Avigdor Lieberman, ultranacionalista, e partidos religiosos ultraortodoxos — em ambos os casos, apostando em jogar papel decisivo para a formação do  novo governo.

Na véspera de uma votação encarada como um plebiscito sobre o premiê, que tem pela frente o risco de ser processado por corrupção, os dois principais candidatos não pouparam esforços para conquistar os eleitores ainda indecisos ou inclinados por legendas menores. “Raros são os momentos em que o país se defronta com duas opções tão diferentes, dois caminhos, e precisa escolher qual deles seguirá”, escreveu Gantz em artigo publicado nos principais jornais israelenses. Prometeu “ação rápida” para formar “um governo de união”, no interesse “de todos”, e não “dos lobistas”. “As divisões vão acabar. Com o Azul e Branco, o comando do Estado de Israel mudará na direção de mais democracia.”

Netanyahu usou as horas finais para disparar em várias direções. Em programas de rádio, destacou o bom estado da economia, com o desemprego em 3,7% — a menor taxa da histrória. Depois de ter cancelado o último comício, no domingo, alegando ameaças terroristas, classificou o rival como “um esquerdista” e alertou sobre o “perigo” de que ele forme um governo “com os árabes”. Os cidadãos israelenses de origem palestina, que formam 10% da população, devem descarregar votos na Lista Unida, que aparece com chances de eleger até 10 deputados e seria essencial para dar maioria à centro-esquerda. Ontem, o jornal Haaretz publicou um áudio no qual o premiê convoca seus eleitores a irem às urnas “porque os árabes estão votando em massa”.

O conflito histórico com os palestinos dominou a reta final da campanha, em especial desde a semana passada, quando Netanyahu anunciou planos para anexar até um terço do território ocupado da Cisjordânia. Não por acaso, foi em uma das colônias judaicas instaladas nessa área, próxima à milenar cidade de Jericó, que o premiê celebrou no domingo a última reunião do gabinete. Na ocasião, aproveitou para formalizar a legalização do assentamento, onde vivem 30 famílias. Jericó foi a primeira cidade da Cisjordânia colocada sob governo autônomo palestino após os acordos de paz firmados em 1993. A ofensiva anunciada por Netanyahu, caso se confirme, pode representar o fim desse processo, ao qual ele se opôs desde que chegou pela primeira vez ao poder, em 1996.

Trump

A expectativa pelos resultados de hoje em Israel se estende por todo o Oriente Médio e pela Europa, mas é especialmente grande nos EUA, com quem o Estado judeu mantém uma aliança estratégica. “Grande eleição em Israel. Vai ser disputada, na base de 50% a 50%”, disse aos jornalistas, na Casa Branca, o presidente Donald Trump. Em maio de 2018, no 70º aniversário da fundação de Israel, Trump transferiu a Embaixada dos EUA para Jerusalém — um troféu diplomático para o amigo Netanyahu. A iniciativa, recebida com revolta pelos palestinos e com críticas pelo mundo árabe e islâmico, incluiu o reconhecimento da soberania israelenses sobre toda a cidade, algo que não é aceito pela maioria da comunidade internacional.

Frase

“Raros são os momentos em que o país se defronta com duas opções tão diferentes, dois caminhos, e precisa escolher qual deles seguirá”

Benny Gantz, líder da oposição de centro-esquerda