Correio Braziliense, n. 20623, 09/11/2019. Política, p. 5

Decisão põe juristas em campos opostos

Luiz Calcagno


Juristas e criminalistas apontam possíveis repercussões da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de vedar a prisão após condenação em segunda instância. O aumento no número de decretação de prisões preventivas e a garantia fundamental da presunção de inocência estão entre os prognósticos de especialistas, que divergem entre si a respeito da decisão da Suprema Corte.

Para a constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV Vera Chemim, a prisão após julgamento em segunda instância é possível, pois são as instâncias em que a Justiça julga levando em consideração as provas do crime e documentos testemunhais — as demais são recursais. Ainda assim, ela já esperava pela decisão, e vê com maus olhos as repercussões.

“Três anos depois, o Supremo resolve retroceder, voltar a de 2009, que do ponto de vista de precedentes é o único período a história em que o STF considerou o trânsito em julgado, que foi entre 2009 e 2016.”

O procurador da República em Goiás Hélio Telho fala em impunidade para empresários e políticos criminosos. “Essa política de celas abertas pode inviabilizar o funcionamento do sistema de justiça criminal em relação a criminosos com poder econômico e dinheiro para sustentar recursos indefinidamente. Nosso sistema recursal não tem limites. O sistema permite que se recorra 20 vezes dentro do próprio tribunal”.

Ainda de acordo com o procurador, a decisão prejudicará também as delações. “Com a possibilidade de recorrer indefinidamente e, com isso, impedir que a condenação transite em julgado, passa a ser desestimulante um acordo”.

Autor da ação que resultou na mudança de paradigma do STF, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, fala no cumprimento estrito da Constituição. Ele destaca que entrou com a Ação Declaratória de Constitucionalidade antes de Lula ser investigado, para afastar as interpretações políticas do debate e do julgamento do Supremo. Ele fundamenta a importância da ADC, entre outras coisas, na falência do sistema prisional brasileiro, que, superlotado, está longe de reintegrar os presos.

“A pessoa que fica presa três meses, um ano, eu entro com habeas corpus, e consigo ou absolvê-la ou mudar o regime. Quem vai pagar a humilhação dela pelo tempo preso?”

Presidente do Instituto de Garantias Penais, Ticiano Figueiredo considera que o “julgamento não é direita contra esquerda”.

“O preço da democracia é a separação de poderes e o respeito à Constituição. Espero que aqueles não tenham contra si imposições como risco à ordem pública ou econômica, por exemplo, tenham a liberdade recomposta. E os casos em que o Judiciário entende que há risco, que retire o título de prisão provisória e examine a hipótese da prisão preventiva”.