Correio Braziliense, n. 20685, 10/01/2020. Mundo, p. 10

Canadá e EUA: míssil do Irã abateu avião

Rodrigo Craveiro


Pelo menos um de dois mísseis iranianos SA-15 disparados pelo sistema de defesa antiaérea TOR-M1 derrubou o Boeing 737-800 da companhia aérea Ukranian International Airlines (UIA) que fazia o voo PS-752, entre Teerã e Kiev, na manhã de quarta-feira. É o que indicam evidências obtidas pelos governos de Canadá, Reino Unido e Estados Unidos a partir de serviços de inteligência. Todos os 167 passageiros e nove tripulantes morreram na tragédia.

Satélites espiões norte-americanos, projetados para rastrear lançamentos de mísseis, detectaram o disparo de um míssil de curto alcance iraniano, minutos depois da decolagem do 737-800 do Aeroporto Internacional Imã Khomeini, na capital do Irã. Agências de inteligência dos EUA também teriam interceptado comunicações iranianas confirmando que um míssil tinha abatido o avião, pouco depois do lançamento de 22 mísseis contra duas bases usadas pelos americanos no Iraque.

"Nós temos inteligências de múltiplas fontes, incluindo nossos aliados e a nossa própria inteligência. A evidência indica que o avião foi derrubado por um míssil iraniano terra-ar. Parece ter sido um ato não intencional", declarou ontem o primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau. "As notícias, sem dúvida, serão um choque adicional para os familiares, que já sofrem diante dessa tragédia indescritível", lamentou. Dos 176 mortos na queda, 63 eram cidadãos canadenses.

Por sua vez, o premiê britânico, Boris Johnson, também confirmou dispor de informações que corroboram a tese. "Agora há um conjunto de informações, segundo as quais o voo foi abatido por um míssil", disse. "Agora, precisa haver uma investigação completa e transparente." O presidente norte-americano, Donald Trump, disse ter "suspeitas" sobre o incidente com avião. "Estava voando em um bairro bastante difícil e alguém pode ter se enganado", comentou.

O jornal The New York Times divulgou um vídeo que mostraria um míssil atingindo um objeto no céu, na manhã de quarta-feira. As imagens mostram uma luz no céu, que se move da direita para a esquerda e, depois, explode. O NY Times garante ter obtido a confirmação de que o local da filmagem coincide com o exato ponto em que o transponder do 737-700 parou de enviar sinais à torre de controle.

Cooperação
Mais cedo, o Irã afirmou que os rumores sobre o abatimento do voo PS-752 "não fazem sentido". "Vários voos nacionais e internacionais estavam no espaço iraniano ao mesmo tempo, à mesma altura de 8 mil pés (2,4 mil metros), e essa história do ataque com mísseis no avião não pode estar correta", atestou um comunicado no site do Ministério do Transporte do Irã. Após as declarações de Trudeau, o Ministério das Relações Exteriores iraniano divulgou nota sobre "certas colocações de cenários duvidosos" e pediu ao Canadá que "compartilhe" as informações com a comissão de investigação criada por Teerã. Também convidou a Boeing, fabricante do avião, e a Ucrânia a participarem desse processo.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, se reuniu com uma comissão de familiares de vítimas do voo PS-752 e falou ao telefone com Trudeau, com Johnson e com o colega iraniano, Hassan Rouhani. O governo ucraniano também solicitou aos aliados ocidentais o acesso a "provas" que ajudem na investigação. "Nosso país tem o mais absoluto interesse em que se chegue à verdade. É por isso que pedimos aos parceiros ocidentais da Ucrânia: se tiverem provas que ajudem na investigação, solicitamos que as forneçam a nós", destacou a Presidência, por meio de um comunicado. Na véspera, Zelensky tinha apelado à comunidade internacional para que evitasse especulações.

Antes das declarações de Trudeau e Johnson, o holandês Harro Ranter, presidente da Aviation Safety Network, entidade que registra todos os acidentes aéreos no planeta, disse ao Correio que os destroços do 737-800 contêm a chave do que ocorreu com o avião. "A equipe de investigação do Irã afirma que fará um inquérito de acordo com as normas internacionais. Isso significa que as possibilidades de abatimento por míssil, explosão de bomba ou falha técnica serão investigadas", disse.

Guarda Revolucionária planeja "grande operação"
O Comandante da Força Aeroespecial do Corpo dos Guardiães da Revolução Islâmica, brigadeiro-general Amir Ali Hajizadeh, advertiu que o lançamento de 22 mísseis contra as bases de Ain Al-Asad e de Erbil, no Iraque, foi apenas o começo de "uma grande operação". "Os ataques a uma das mais importantes bases dos EUA, na forma de uma operação chamada de 'Mártir Soleimani', foram o início de uma operação que continuará por toda a região", disse, ao se referir ao general Qasem Soleimani, comandante da Força Quds da Guarda Revolucionária, morto por um drone norte-americano em 2 de janeiro, em Bagdá. "Nós não pretendíamos matar ninguém, mas atingir a máquina militar do inimigo", afirmou. O aiatolá Ali Khamenei (E) foi fotografado, ontem, participando de uma cerimônia em memória de Soleimani, em Teerã. O evento contou com a presença de Esmail Qaani (D), o novo comandante da Força Quds.

Possível alvo errado

Suposta causa da queda
» O Boeing 737-800 ucraniano teria sido derrubado por um sistema antimísseis russo terra-ar Tor-M1, também conhecido como Gauntlet. A informação foi divulgada à revista Newsweek por uma autoridade do Pentágono, um oficial de inteligência dos EUA e uma autoridade de inteligência do Iraque. Fontes do Pentágono sustentam que tropas iranianas acreditavam estar sob ataque e confundiram o avião. O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, disse que "múltiplas fontes de inteligência" corroboram a tese de ataque por míssil terra-ar.

Investigação inicial
» A teoria da derrubada do Boeing 737-800 se sustenta na análise contínua de dados de satélites, radar e eletrônicos coletados de modo rotineiro pelos serviços de inteligência e por militares dos Estados Unidos.

O que diz o Irã
» As autoridades iranianas dizem que "não fazem sentido" os rumores sobre o ataque ao avião. "Vários voos nacionais e internacionais estavam no espaço iraniano ao mesmo tempo à mesma altura de 8 mil pés, e essa história do ataque com mísseis no avião não pode estar correta", afirmou nota do Ministério do Transporte do Irã.

Caixas-pretas
» O regime iraniano sustenta que as duas caixas-pretas foram danificadas pelo fogo e pelo impacto. Algumas partes das memórias se perderam.

Outros motivos
» A Ucrânia não descarta que o Boeing 737-800 tenha colidido com um drone ou outro objeto. Também aponta como possíveis causas um atentado terrorista ou um malfuncionamento do motor, que teria provocado uma explosão. Nenhum grupo extremista assumiu a autoria do susposto ataque; o avião tinha passado por uma revisão completa dois dias antes.

Provável flagrante
» Um vídeo divulgado pelas redes sociais mostraria o momento em que o míssil (E) atinge o avião (D), em uma região perto do Aeroporto Internacional Imã Khomeini, pouco depois de decolar. O jornal The New York Times garante que o local da filmagem coincide com a região onde o transponder do 737-800 parou de emitir o sinal.

Câmara limita ação militar

A Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, controlada pelos democratas, aprovou uma resolução que visa limitar o poder do presidente Donald Trump para lançar operações militares contra o Irã, em um texto simbólico com o qual os congressistas buscam recuperar os poderes do Congresso. A resolução, que exorta Trump a "pôr fim" a toda ação militar contra o Irã sem o aval do Congresso, foi adotada por 224 votos contra 194, e teve o apoio de três republicanos, mas não deve avançar no Senado, controlado pelos governistas. Oito democratas se opuseram à medida.

"O povo americano não quer uma guerra com o Irã. Com as medidas de hoje, negamos ao presidente a autoridade para travar uma guerra desse tipo", explicou o democrata Eliot Engel, chefe do Comitê de Assuntos Externos da Câmara.

"Na última semana, sob nosso ponto de vista, o governo conduziu um ataque aéreo provocador e desproporcional contra o Irã, que colocou em perigo americanos, e o fez sem consultar o Congresso", declarou a democrata Nancy Pelosi, presidente da Câmara. Horas antes da votação na Câmara, Trump reagiu à intenção de Pelosi de submeter a resolução aos deputados. "Espero que todos os republicanos da Câmara votem contra a maluca Resolução dos Poderes de Guerra de Pelosi. (...) É mais uma fraude democrata. Assédio presidencial!", escreveu em seu perfil no Twitter.

Nações Unidas
Os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU emitiram uma declaração, na qual reafirmam a "adesão à ordem internacional baseada no direito internacional", depois dos ataques do Irã. Embora tenha pedido antes do Natal um visto dos EUA para participar da reunião em Nova York, o chefe da diplomacia iraniana, Mohamad Javad Zarif, não recebeu resposta e foi representado pelo embaixador do Irã na ONU.