Título: Mesa desafia adversários a governar
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 08/03/2005, Internacional, p. A7

Presidente leva renúncia ao Congresso, queixa-se de estar 'sufocado' e chama postura dos líderes grevistas de ''cômoda''

O presidente da Bolívia, Carlos Mesa, entregou ontem de manhã ao Congresso sua renúncia, anunciada na noite de domingo. Segundo ele, protestos contra as multinacionais do petróleo e pedidos de autonomia da rica província de Santa Cruz impedem a governabilidade do país mais pobre da América do Sul.

- A posição de alguns dos mais importantes protagonistas da política boliviana e de organizações sociais, regionais e sindicais estão levando a um ponto de confronto que põe em risco nosso futuro e nossa viabilidade - disse o presidente, sucessor de Gonzalo Sánchez de Lozada. Lozada renunciou em outubro de 2003, após uma convulsão social e protestos organizados pelo líder cocalero e deputado socialista, Evo Morales. O pedido de Mesa segue-se a uma semana de greves e bloqueios de estradas feito por sindicatos de camponeses e plantadores de coca.

- Não posso continuar sufocado - justificou aos parlamentares, acrescentando que só permanece no cargo se o Legislativo ''não colocar travas no programa de governo e se organizar um pacto social pela governabilidade''. No domingo, o estadista culpou Morales, seu ex-aliado, pelo clima de instabilidade política e social.

- É muito cômodo bloquear estradas. Venha você governar - desafiou.

Para o antropólogo americano e professor da Universidade George Washington, Robert Albro, mesmo sem ser amistosa, a relação entre os dois líderes é importante.

- Morales apoiou Mesa quando ele assumiu prometendo que em três meses convocaria uma Assembléia Constituinte. Parece que isto não vai acontecer. Ao mesmo tempo, Mesa sabe que, pelo histórico de Lozada, não pode usar força contra as manifestações. Assim, os movimentos sociais exploram esta prerrogativa, se fortalecendo e pressionando por reformas - afirma Albro ao JB.

Mesa, que tem 60% de aprovação, recebeu apoio popular. Moradores de La Paz, Oruro e Cochabamba saíram às ruas pedindo que ficasse. Ontem, mais de 2 mil pessoas se reuniram diante do palácio presidencial. Morales rebateu as acusações, dizendo que o presidente tenta ''trair'' o povo para não cumprir os compromissos de nacionalizar os recursos energéticos e convocar a Constituinte.

- É só para chantagear, uma renúncia para não mudar nada - afirmou.

Para Albro, o ato de Mesa não é traição.

- Diante do quadro, é só o que pode fazer: obrigar Morales e os movimentos sociais a assumirem a co-responsabilidade pela agenda política boliviana, à qual já influenciam há quase dois anos - disse.

Evo Morales convocou novo bloqueio para pressionar o Parlamento a aprovar uma lei nacionalista de combustíveis, que inclui o aumento dos royalties sobre a produção petrolífera, de 18% para 50%.

Moradores de El Alto continuavam uma greve que fechou La Paz e as saídas para o Peru e o Chile. No entanto, as atividades comerciais e industriais na idade, uma das mais pobres do país, não foram afetadas. A polícia confirmou que em toda Bolívia há 50 bloqueios e que as cidades de Sucre, Potosí e Tarija estão cercadas por milhares de camponeses, que pedem a aprovação da reforma energética. No começo da manhã, partidários de Mesa entraram em confronto com os grevistas de El Alto, mas não houve feridos.