Título: Problema estrutural e institucional
Autor: Marcelo James Vasconcelos Coutinho
Fonte: Jornal do Brasil, 08/03/2005, Internacional, p. A8

Mais um presidente cai na América do Sul, se é que não se trata de uma perigosa estratégia política, e há fortes indícios para se interpretar a renúncia de Carlos Mesa desta maneira. De todo modo, mais uma vez há quem possa recorrer a explicações gerais, quase todas velhas: pobreza, partidos falidos, economia incerta etc. Nessas horas, costuma calar fundo o fatalismo que persegue sistemas presidenciais e culturas políticas supostamente avessas à estabilidade. Nessas horas também, saltam aos olhos razões conjunturais; de um encadeamento de eventos deduz-se um resultado desastroso, tal como ocorreu, há menos de dois anos, com Sánchez de Lozada. Este é o momento mais fácil de atribuir à renúncia de Mesa impasses no Legislativo e um crescente desgaste com os movimentos sociais. Basta acompanhar o noticiário local para alcançar essa conclusão.

Segundo uma lógica conjuntural, a fonte da crise é um país dividido entre forças ocidentais e orientais, cada qual pressionando o presidente pelo atendimento de suas demandas. Os movimentos indígenas e campesinos das cidades altas a Oeste exigem a convocação da assembléia constituinte e a aprovação da lei dos hidrocarbonetos com forte viés nacionalista.

Eles sabem que são maioria no país e que podem, pela primeira vez, controlar o processo político. Em contrapartida, grandes empresários e todo o departamento de Santa Cruz, ao Leste, reclamam por autonomia, eleições para governadores e padrões internacionais para a lei que regulará a exploração do gás. Querem assegurar direitos antes de se subordinarem a um eventual governo de esquerda.

A divisão, no entanto, espelha um problema mais profundo. Um problema de acomodação de interesses e identidades, mas estrutural. Qualquer tentativa de resolvê-lo na superfície deve fracassar. Trata-se de uma questão de inclusão política, isto é, da incorporação incompleta de setores sociais ativos no sistema formal de poder. Ainda hoje se observa que populações tradicionais estão pouco representadas nas instituições estatais bolivianas. Porém, a correção do desequilíbrio afetará grandes interesses econômicos ligados ao gás natural e à produção de grãos.

A inviabilidade do governo da Bolívia se deve, assim, ao modo como os acessos e recursos de poder são compartilhados desde o Parlamento, os partidos, o corpo militar, as representações locais e o sistema judicial. Dá-se também na medida irreversível em que a democratização avança, criando e estimulando demandas e expectativas nos atores. A questão é, portanto, de ordem legítima. E, neste caso, a solução é aproximar o Estado da sociedade, considerando suas divisões setoriais e regionais, por intermédio de instituições mais inclusivas. Enquanto a diversidade e a ação política não estiverem correspondidas à diversidade e à ação social - base da adesão ao regime democrático e da coordenação política nacional -, será impossível solucionar a crise boliviana.