Correio Braziliense, n. 20692, 17/01/2020. Economia, p. 7

Força-tarefa contra filas no INSS ganha reforço

Vera Batista
Alessandra Azevedo
Rosana Hessel



O governo continua costurando soluções para reduzir a fila de quase 2 milhões de pessoas que esperam respostas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sobre a concessão de benefícios. Além da contratação temporária de 7 mil militares da reserva para ajudar no atendimento nas agências, anunciada na última terça-feira, 19 funcionários da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev) vão entrar na mobilização. O remanejamento foi oficializado na edição de ontem do Diário Oficial da União. Outros 319, da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), que será extinta, também devem compor a força-tarefa.

Para entidades que representam os servidores públicos, as decisões são paliativas e apenas mascaram o verdadeiro motivo da dificuldade de atender às demandas: falta de pessoal fixo. “A abertura de concurso público periódico é medida salutar para enfrentar os problemas”, considerou a Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), em nota.

No mesmo sentido, a Federação Nacional dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Assistência Social (Fenasps) afirmou que o INSS não precisa de “intervenção militar” para resolver o problema, mas de “um projeto de gestão”, que incluiria concurso público e investimento na carreira do servidor.

Pessoal

O governo, no entanto, rejeita a necessidade de realizar novos concursos e argumenta que a digitalização dos serviços pode substituir a mão de obra defasada. De acordo com dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, o INSS perdeu 11,5 mil servidores nos últimos cinco anos — o efetivo caiu de 34,5 mil para 23 mil funcionários. No total, há cerca de 20 mil cargos vagos, sem contar com os milhares de servidores que devem se aposentar nos próximos anos.

A visão do governo é de que as contratações temporárias e os remanejamentos vão resolver problemas gerados pela reforma da Previdência e pela digitalização do processo de requerimento de benefícios. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, afirma que, como o problema é pontual, trazer servidores extras por tempo determinado é suficiente para diminuir a fila. “A sociedade está querendo uma resposta mais rápida, e o governo está dando uma resposta mais rápida”, disse, na última terça-feira, ao anunciar o recrutamento de militares.

Com a ajuda dos militares, Marinho acredita que será possível “ter fluxo de documentos de acordo com a nossa capacidade de processamento” até setembro e, assim, “certamente não haverá necessidade de termos esse número de pessoas dentro da máquina pública”. Na última terça-feira, ele afirmou que, daqui um ano, não será mais necessário o incremento de 7 mil funcionários.

Digitalização

Lançado em maio de 2018, o programa Meu INSS permite ao segurado solicitar benefícios pela internet, o que facilitou o processo, mas aumentou a demanda e, como consequência, a fila. Pessoalmente, nas agências, havia uma triagem mínima, feita pelos atendentes, que filtravam os requerimentos. Isso não ocorre no Meu INSS, o que explica o salto de 700 mil para quase 1 milhão de requerimentos por mês, desde o lançamento da plataforma on-line.

De resto, o serviço tem melhorado, na avaliação do governo. A produtividade, mesmo com menos funcionários, aumentou nos últimos meses. Pelos dados do INSS, cada funcionário, em 2018, atendia 296 demandas. Hoje, é capaz de resolver 409. Por isso, o governo argumenta que não é preciso contratar novos funcionários. A solução, a longo prazo, é continuar digitalizando o serviço, agora também nos procedimentos internos.

É o que defende o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Paulo Uebel. “A digitalização alcançou etapas iniciais, mas tem todo um trabalho, que são processos internos de análise, nos quais ainda não conseguimos avançar. Em 2019, digitalizamos da porta para fora. Agora, em 2020, vai ser da porta para dentro”, explicou, ontem, em café da manhã com a imprensa. “O canal digital antecipou a demanda, mas os processos internos não foram totalmente adaptados para o aumento do fluxo”, acrescentou.

Uebel ressaltou que a situação fiscal do governo tem dificultado a realização de concursos, mas lembrou que, no caso do INSS, o volume de contratações foi o maior na esfera pública federal. “O INSS não foi negligenciado em concurso. Entre 2010 e 2019, registramos o ingresso de 8,9 mil pessoas. Nenhum outro órgão teve esse volume”, disse, reconhecendo, porém, que esse montante pode não ter sido suficiente para atender as necessidades do órgão.

Fiscais fazem alerta na Receita

A fiscalização tributária do país pode enfrentar uma crise como a do INSS, por motivos semelhantes — falta de concurso público —, mas com efeitos mais drásticos para o desenvolvimento da economia e para a imagem do Brasil no exterior. A conclusão é da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), que realizou levantamento para mostrar a queda do número de funcionários do órgão.

“Em uma década, o número de servidores caiu de 12.721, total em janeiro de 2009, para 8.477 (novembro de 2019), mesmo contando com o ingresso de 278 profissionais do último concurso público, em 2014. A Coordenação de Gestão de Pessoas do Fisco aponta a deficiência de técnicos qualificados: são 21.471 cargos vagos”, destaca a Anfip.

Na contramão do deficit na fiscalização, o número de empresas no Brasil não para de crescer. De acordo com dados da Receita, foram abertas 1.545.242 empresas no primeiro semestre do ano passado, ante 1.315.151 no mesmo período de 2018, alta de 17,4%. “Para esse trabalho, em todo o país, o Ministério da Economia conta com 16.908 servidores das carreiras de auditoria fiscal e do trabalho (dado de novembro de 2019). Houve perda de mais de um terço do quadro funcional especializado em uma década”, reforça a Anfip.

“Urge que sejam tomadas providências para que o caos não se instale nas atividades de fiscalização tributária e combate à sonegação, entre outras fundamentais para obter recursos financeiros que garantam a continuidade dos programas sociais brasileiros”, afirma o presidente da entidade, Décio Bruno Lopes.

O envelhecimento do quadro funcional agrava o problema. “A Anfip considera que o expressivo número de servidores em condições de aposentadoria ou próximos a ela e a demora na realização de um novo concurso devem causar impactos relevantes nos trabalhos dessa linha de frente”, reforça o estudo.

Para a entidade que representa os fiscais, a médio prazo, o Fisco estará em situação semelhante à do INSS, com risco de apagão. “É lógico que não será de uma hora para outra. Mas, dentro de três a cinco anos, a continuar essa política de contenção, o resultado pode ser um sério comprometimento”, afirma Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco).

Risco

Vilson Antonio Romero, coordenador de Estudos Socioeconômicos da Anfip, afirma que a redução do pessoal e as restrições orçamentárias “colocam em risco as atividades estratégicas e fundamentais de combate à sonegação, corrupção, contrabando e descaminho e comprometem a capacidade de arrecadação tributária da União”. “A cobrança de dívidas previdenciárias fica prejudicada. Se não entra dinheiro no caixa, o rombo alegado pelo governo na Previdência tende a aumentar”, diz.

Os avisos sobre esvaziamento da Receita têm sido contantes, como foram no INSS. Em agosto de 2019, Iágaro Jung Martins, subsecretário de Fiscalização, declarou que a queda na recuperação de tributos sonegados, entre 2017 e 2018, teve como causa a falta de auditores para fazer a cobrança. As autuações caíram 9,2%, no período, para R$ 186,9 bilhões. (VB)

Fisco enxuto

Redução de servidores

    12.721    total em janeiro de 2009

    8.477    total em novembro de 2019

Deficit

    21.471    cargos vagos

    11.325    são de auditores

    10.416    são de analistas tributários

Mais trabalho   |   Número de empresas abertas

    1.545.242    no primeiro semestre de 2019

    1.315.151    no primeiro semestre de 2018

    Alta de    17,4%