O Estado de S. Paulo, n. 46889, 04/03/2022. Notas & Informações, p. A3

O Brasil e a inflação da guerra


 

Bombas e tiros na Ucrânia atingem os mercados, fazem os preços explodir e afetam quem vive a milhares de quilômetros da guerra, como a população do Brasil, já sujeita à inflação elevada e alto desemprego. A violência russa logo impactou as cotações de matérias-primas essenciais, como petróleo, trigo e milho, agravando o quadro inflacionário global. No começo do ano, quando o presidente Vladimir Putin ainda se preparava para ordenar o ataque, o custo de vida batia um recorde de três décadas num grande conjunto de países desenvolvidos e emergentes. Em janeiro, a inflação anual chegou a 7,2% na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), formada por 39 associados. Foi a maior taxa desde fevereiro de 1991. No Brasil, a alta acumulada atingiu 10,38%.

A guerra da Rússia contra a Ucrânia complica, portanto, um quadro de preços já muito ruim no mercado internacional e no Brasil. Neste ano, a inflação brasileira deve ser menor que a do ano passado, segundo se prevê no mercado e no Ministério da Economia. Mas as projeções de entidades financeiras e de importantes consultorias têm piorado. Em quatro semanas passou de 5,38% para 5,60% o aumento estimado para a taxa oficial, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). As projeções são aquelas coletadas semanalmente na pesquisa Focus, do Banco Central (BC).

Mas os brasileiros devem ser afetados tanto pela inflação quanto pela política anti-inflacionária. Ainda muito elevada e agora sujeita a efeitos da guerra na Ucrânia, a inflação brasileira vem sendo combatida pelo BC com forte aperto monetário. Os juros básicos chegaram a 10,75%, devem logo passar a 11,75% e antes do fim do ano baterão em 12,25%, segundo a mediana das projeções do mercado. O quadro poderá ficar pior, naturalmente, se a insegurança ocasionada pelo presidente Vladimir Putin se prolongar.

Não há, por enquanto, perspectiva de alívio na política monetária antes do próximo ano, quando a taxa básica poderá, segundo se estima, cair para 8%, ainda superando amplamente os juros da maior parte das grandes economias. Além disso, o espaço de manobra do BC brasileiro poderá ser diminuído pela política do Federal Reserve (Fed), condutor da política monetária nos Estados Unidos.

Segundo anunciou na quarta-feira o presidente do Fed, Jerome Powell, uma alta de 0,25 ponto porcentual deverá ocorrer neste mês. Com isso, a referência passará da atual faixa de 0 a 0,25% para 0,25% a 0,50% ao ano. Nos meses seguintes poderá haver aumentos de até 0,5 ponto, acrescentou, se a inflação for resistente. Em janeiro, chegou a 7,5%, nos Estados Unidos, a alta dos preços ao consumidor acumulada em 12 meses. Foi a maior taxa em quatro décadas. Muito ruim para o consumidor americano, essa inflação é péssima para a imagem do presidente Joe Biden e um enorme desafio para os dirigentes do Fed.

Juros americanos têm grande influência internacional, afetando amplamente os mercados de crédito e de câmbio. É muito difícil abrandar a política monetária, no Brasil e em muitos outros países, ignorando as indicações fixadas nos Estados Unidos.

Brasileiros e americanos, no entanto, enfrentarão o aperto monetário deste ano a partir de condições muito diferentes. Nos Estados Unidos, o desemprego em janeiro correspondeu a 4% da força de trabalho, taxa calculada com desconto dos efeitos sazonais. No Brasil, estava em 11,1%, no trimestre encerrado em dezembro, num cenário favorecido pelas condições sazonais do fim de ano.

Em 2021 a economia americana cresceu 5,7%, compensando com ampla folga a perda de 3,4% em 2020. A economia brasileira recuou 3,9% em 2020, cresceu menos de 5% no ano seguinte, segundo estimativas preliminares, e deve avançar 0,3% em 2022, de acordo com o boletim Focus. Para os Estados Unidos estima-se expansão econômica de 3,5%. Com inflação alta e juros elevados, qualquer avanço econômico mais próximo de 1% será surpreendente. Os efeitos da guerra apenas complicam, no Brasil, um cenário já muito inquietante.