Correio Braziliense, n. 20692, 17/01/2020. Mundo , p. 12

Novas acusações contra Trump
Rodrigo Craveiro



Donald Trump se tornou oficialmente, ontem, o terceiro presidente em exercício da história dos Estados Unidos a ser julgado pelo Senado, de maioria republicana. “Você jura solenemente que em todas as coisas pertencentes ao julgamento do impeachment de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, agora pendente, fará justiça imparcial de acordo com a Constituição e as leis; então, que Deus lhe ajude”, declarou o senador Charles Grassley. “Sim, eu juro”, respondeu o chefe da Suprema Corte dos EUA,  John Roberts Jr., ao ser formalizado como juiz do tribunal de impeachment. O gesto foi repetido por 99 dos 100 senadores, transformados em jurados — o republicano James Inhofe se ausentou por motivos médicos.

A sessão ocorreu na presença de sete deputados democratas, que desempenharão a função de promotores no julgamento. O Senado voltará a se reunir na próxima terça-feira, às 13h (15h em Brasília). O capítulo decisivo do processo de impeachment coincidiu com a conclusão de uma auditoria independente segundo a qual o magnata violou a lei ao bloquear uma ajuda militar milionária à Ucrânia.

Assim que os deputados chegaram ao Senado, o sargento de armas da Câmara Alta, Michael Stenger, abriu o julgamento exigindo que os senadores mantivessem silêncio, enquanto as acusações contra Trump fossem lidas. “Em sua conduta e violando seu juramento constitucional, Donald J. Trump abusou dos poderes da Presidência”, afirmou Adam Schiff, presidente do Comitê de Inteligência da Câmara de Representantes, ao ler o primeiro artigo de impeachment. Foi então que John Roberts e os senadores prestaram o juramento. Além de abuso de poder, Trump é acusado de obstrução do Congresso, ao atrapalhar investigações sobre a suposta pressão exercida por ele para que a Ucrânia investigasse Joe Biden. O democrata é potencial adversário do republicano nas eleições de 5 de novembro.

Na terça-feira passada, a divulgação de uma carta atribuída a Lev Parnas indicou que Trump estava ciente de que o sócio de Rudy Giuliani, advogado do presidente, trabalhavam em Kiev para incitar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, à investigação. “O presidente Trump sabia exatamente o que estava acontecendo. Estava a par de todos meus movimentos. Não faria nada sem o consentimento de Rudy Giuliani ou do presidente”, disse Parnas em entrevista à rede de TV MSNBC.

“Ontem, Trump disse “não saber nada” sobre a carta, mas defendeu Giuliani como “um dos maiores combatentes do crime na história do nosso país”. Ele defendeu um julgamento acelerado, o qual classificou de fraude. “Eu acho que deveria ir muito rapidamente. É uma fraude, todos sabem disso”, afirmou a repórteres, no Salão Oval da Casa Branca. Também negou ter conhecimento de outra carta em que Giuliani teria solicitado um encontro privado com Zelensky.

Retenção

A situação de Trump se complicou também por conta de um relatório do gabinete de prestação de contas do governo (GAO). O órgão independente do Executivo concluiu que “o Escritório de Administração e Orçamento (OMB)” da Casa Branca “violou a lei quando reteve aproximadamente US$ 214 milhões (cerca de R$ 896,6 milhões) destinados ao Departamento de Defesa (Pentágono) para assistência de segurança à Ucrânia”. Segundo o GAO, “o presidente possui autoridade estreita e limitada para reter alocações sob a Lei de Controle de Acumulação de 1974”. O OMB explicou ao GAO que reteve os fundos para garantir que não fossem gastos “de modo que poderiam confrontar com a política externa do presidente”. “A lei não permite ao OMB reter fundos por motivos políticos”, acrescenta a nota. As suspeitas são de que a Casa Branca condicionou o repasse da verba à investigação de Biden.

Para o historiador político James Naylor Green, professor da Brown University (em Rhode Island), o julgamento de Trump no Senado são “favas contadas”, onde os governistas contam com a maioria. “Os republicanos, ou pelo menos 20 deles, mudarão de opinião e votarão para remover o presidente da Casa Branca, depois dos últimos desdobramentos? Não”, disse ao Correio. O especialista acredita que as conclusões do organismo investigador do GAO é claro. “Trump violou a lei. No entanto, não está evidente se os senadores republicanos prestarão atenção a isso, uma vez que decidiram por sua inocência e classificaram as acusações de impeachment como injustas. Isso não mudará o resultado do julgamento, mas isso confirmará o fato de que Trump é um criminoso.”

Frase

“Em sua conduta e violando seu juramento constitucional, Donald J. Trump abusou dos poderes da Presidência”

Adam Schiff, presidente do Comitê de Inteligência da Câmara de Representantes e um dos promotores do julgamento político de Trump

TUITADA

“Acabo de ser ‘impichado’ por ter feito uma ligação telefônica perfeita!”

Donald Trump, presidente dos EUA, sobre a conversa com o colega ucraniano, Volodymyr Zelensky

Palavra de especialista

Apoio certo ao magnata

“A cerimônia no Senado é feita para fazer com que o procedimento se passe por muito importante e solene. No entanto, por mais sérios que os republicanos pareçam, eles voltarão imediatamente em seu apoio incondicional ao presidente. Em relação à conclusão da auditoria do gabinete de prestação de contas da Casa Branca, a sua importância está no fato de vir de uma agência governamental neutra e, por isso, imparcial. Os defensores de Trump dirão que o chefe da supervisão foi nomeado por Barack Obama e que este é outro exemplo do chamado ‘Deep State’, no qual os democratas tentam bloquear as políticas do presidente. 

No entanto, a decisão meramente reforça as noções contidas nas acusações de impeachment, ou seja, Trump reteve os fundos, adiou a reunião com o presidente ucraniano e pressionou o governo de Kiev para que anunciasse uma investigação de Joe Biden e seu filho, Hunter Biden, por supostos atos de corrupção cometidos em uma empresa na Ucrânia.”

James Green é historiador político e professor da Brown University (em Rhode Island)