Correio Braziliense, n. 21362, 10/09/2021. Política, p. 3 

Contundência Democrática 

Israel Medeiros 
Luana Patriolino 
Ingrid Soares 


A segurança do sistema eleitoral brasileiro só foi colocada em dúvida por causa de uma narrativa falsa incentivada por Jair Bolsonaro. Foi o que disse, ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luís Roberto Barroso, em discurso na abertura da sessão da Corte. Foi a primeira manifestação do magistrado após os ataques ao STF e à Justiça Eleitoral feitos pelo presidente da República, no último dia 7. 

Barroso relembrou que Bolsonaro foi desafiado a apresentar as supostas provas que disse ter sobre fraudes nas urnas eletrônicas, e não as apresentou. Classificou ainda de "evento bizarro" a live em que o presidente disse que provaria que o equipamento pode ser hackeado e afirmou que tudo não passou de retórica vazia. 

"Hoje em dia, salvo os fanáticos que são cegos pelo radicalismo, e os mercenários, que são cegos pela monetização da mentira, todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história", atacou Barroso. 

Para o ministro, o que está em curso no país é uma tentativa de trazer de volta o autoritarismo, por meio da descredibilização do processo eleitoral pela via de afirmações falsas e antidemocráticas. Tudo isso com vistas à manutenção no poder, apesar de uma eventual derrota nas urnas. Barroso alertou que alguns regimes caíram não apenas por meio de quarteladas, mas pela desconstrução gradativa de pilares democráticos. 

Ele chegou a alfinetar Bolsonaro citando uma versão alternativa de um trecho bíblico, utilizado pelo presidente como um lema desde que era candidato. "O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser: 'conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará'", disse Barroso, fazendo referência a João 8:32, que replica as palavras de Jesus: "Conhecereis a verdade, e a verdade os libertará". 

Sobre o voto impresso, Barroso disse que "quem decidiu que não haveria voto impresso não foi o TSE, foi o Congresso Nacional". O presidente do TSE lamentou, ainda, o que chamou de desvalorização global do país. "Somos vítimas de chacota e de desprezo mundial", salientou. 

Barroso afirmou, ainda, que a democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas, desde que haja o respeito à Constituição. Ela só não tem lugar, segundo ele, "para quem pretenda destruí-la". "Com a bênção de Deus — o Deus de verdade, do bem do amor, do respeito ao próximo — e com a proteção das instituições, um presidente eleito democraticamente pelo voto popular tomará posse em 1º de janeiro de 2023. Assim será", assegurou. 

Resposta 
Durante a transmissão da tradicional live das quintas-feiras, pelas redes sociais, Bolsonaro voltou a alfinetar Barroso. Disse que as palavras bonitas do magistrado "não convencem ninguém". 
"Palavras bonitas, que sei que o ministro Barroso tem, dada a sua formação de jurista, diferente da minha, que tem palavrão de vez em quando. Mas não convence ninguém", provocou. 

O presidente também insistiu no voto impresso — cuja proposta de emenda constitucional foi sepultada na Câmara, em julho. "Eu acredito que tive muito mais voto do que os 57 milhões que estavam ali. Eu vi uma notícia do senhor ministro Barroso dizendo que está aperfeiçoando o sistema eleitoral. Barroso, se está aperfeiçoando, é porque tinha brecha", apontou. 

Segundo o presidente, "se Barroso anuncia novas medidas protetivas por ocasião das urnas, é porque elas têm brechas. É porque, Barroso, elas são penetráveis. Entendeu, Barroso? Ministro Barroso, entendeu? As urnas são penetráveis e as pessoas podem penetrar nelas. Então, não é justo se desmonetizar páginas de pessoas que estão pedindo voto impresso. Isso é trabalhar contra a democracia?", questionou, referindo-se às páginas de apoiadores que replicam opiniões sem estofo técnico de que as urnas eletrônicas são vulneráveis. 

Sem data venia 

"A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. O que nos une na diferença é o respeito à Constituição, aos valores comuns que compartilhamos e que estão nela inscritos. A democracia só não tem lugar para quem pretenda destruí-la". 

"O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser: 'conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará'". 

"É tudo retórica vazia, política de palanque. Hoje em dia, salvo os fanáticos que são cegos pelo radicalismo, e os mercenários, que são cegos pela monetização da mentira, todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história". 

"A falta de compostura nos envergonha perante o mundo. A marca Brasil sofre, nesse momento, uma desvalorização global. Somos vítimas de chacota e de desprezo mundial. [...] Pior que tudo, a falta de compostura nos diminui perante nós mesmos". 

"Depois de quase três anos de campanha diuturna e insidiosa contra as urnas eletrônicas por parte de ninguém menos do que o presidente da República, uma minoria de eleitores passou a ter dúvidas sobre a segurança do processo eleitoral. Dúvida criada artificialmente por uma máquina governamental de propaganda. Assim que pararem de circular as mentiras, as dúvidas se dissiparão". 

"Uma das estratégias do autoritarismo é criar um ambiente de mentiras, no qual as pessoas já não divergem apenas quanto a suas opiniões, como é próprio da democracia, mas divergem quanto aos próprios fatos". 

"O extremismo tem se valido de campanhas de ódio, de campanhas de desinformação, de meias-verdades e teorias conspiratórias que visam enfraquecer os fundamentos da democracia representativa". 

"O populismo tem lugar quando líderes carismáticos manipulam as necessidades e os medos da população, apresentando-se como anti-establishment, como sendo contra tudo isso que está aí e prometendo soluções simples e erradas para problemas graves. Soluções que cobram um preço alto no futuro". 

"O populismo vive de arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, pode ser a imprensa, podem ser os tribunais". 

"Com a bênção de Deus — o Deus do bem, do amor e do respeito ao próximo — e a proteção das instituições, um presidente eleito democraticamente pelo voto popular tomará posse no dia 1º de janeiro de 2023".