O Estado de S. Paulo, n. 46890, 05/03/2020. Internacional, p. A16
 

Após ocupar usina, Rússia tenta cortar acesso da Ucrânia ao mar

 

Tropas russas ocuparam ontem a maior central nuclear da Ucrânia e da Europa, após um ataque que provocou um incêndio sem consequências para os níveis de radioatividade, mas que paralisou o mundo diante do temor de uma nova catástrofe atômica. Ontem, bombeiros apagaram o fogo de um edifício e de um laboratório, depois que projéteis russos atingiram as instalações da central de Zaporizhzhia.

O governo russo garantiu ontem na ONU que suas tropas não atacaram a usina, e atribuiu os combates na instalação a uma operação de sabotadores ucranianos para tentar culpar Moscou. O embaixador da Ucrânia na ONU, porém, disse que havia informações de que vários funcionários responsáveis pela manutenção da segurança nuclear no local tinham sido mortos por soldados russos.

Cerco. A Rússia entrou na segunda semana de guerra com o objetivo de controlar a costa da Ucrânia e fechar o acesso de Kiev ao mar. Depois de tomar Kherson, na quarta-feira, as forças russas avançaram ontem mais profundamente no sul da Ucrânia para tomar a cidade portuária de Mykolaiv.

Aproximadamente 800 veículos russos, incluindo uma coluna de lançadores de foguetes, avançaram sobre Mykolaiv em três direções: norte, leste e sul. Não houve bombardeios dentro da cidade, mas as forças ucranianas entrincheiradas ao longo do perímetro da cidade foram alvo de disparos de foguetes. “A cidade está pronta para a guerra”, disse o prefeito, Oleksandr Senkevich, usando um uniforme verde do Exército e com uma arma na cintura.

O principal navio da Marinha ucraniana, o Hetman Sagaidachny, foi afundado ontem em Mykolaiv para impedir que os russos o confiscassem, informou o Centro Militar Ucraniano. A ideia é, após o conflito, esvaziar e secar os compartimentos da fragata para que sejam retomados os trabalhos de reparo da embarcação.

Mariupol. Ao cortar o acesso da Ucrânia ao mar, a Rússia estrangularia a economia do país e permitiria que as forças separatistas que lutam na Crimeia se conectem por terra com os rebeldes do leste da Ucrânia. Segundo Orysia Lutsevych, chefe do grupo Fórum da Ucrânia, na Chatham House, centro de estudos de Londres, tropas russas também estão atacando a cidade portuária de Mariupol. “Kherson e Mykolaiv estão pressionadas desde a anexação da Crimeia pela possibilidade de serem usadas como ponte terrestre”, afirmou.

O controle de Mykolaiv permitiria à Rússia desembarcar tropas anfíbias para um avanço para o oeste em direção a Odessa, importante porto no Mar Negro. O conselheiro presidencial ucraniano, Oleksiy Arestovich, disse que a artilharia ucraniana defendeu Odessa de repetidos ataques de navios russos no Mar Negro. Odessa é a maior cidade portuária da Ucrânia e abriga uma grande base naval.

Tropas russas consolidaram ontem o domínio do corredor costeiro ao longo do Mar de Azov. Nesse trecho, apenas Mariupol ainda resiste aos ataques, apesar de um grande bombardeio russo que cortou energia, água e aquecimento da cidade. / NYT e AP