O Globo, n. 31547, 21/12/2019. País, p. 10

'Você tem uma cara de homossexual terrível', diz Bolsonaro a repórter



O presidente Jair Bolsonaro atacou jornalistas ontem, na porta do Palácio da Alvorada, ao ser questionado sobre as investigações de "rachadinha" no gabinete de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), quando este era deputado estadual, cargo que ocupou entre 2003 e 2018. Durante a entrevista, o presidente afirmou que o ex-assessor Fabrício Queiroz, suspeito de articular o esquema de "rachadinha", deveria ser responsabilizado, se tiver cometido algum "deslize". Questionado pelo repórter do GLOBO sobre o que deve acontecer com Flávio, se o senador também tiver cometido um deslize, Bolsonaro respondeu: — Você tem uma cara de homossexual terrível. Nem por isso eu te acuso de ser homossexual. Se bem que não é crime ser homossexual. Você fala "se", "se", "se", o tempo todo.

Em outro momento da entrevista, o presidente não quis responder se tem algum comprovante do empréstimo de R$ 40 mil que diz ter feito a Fabrício Queiroz. No ano passado, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identificou, em um relatório sobre movimentações atípicas do ex-assessor, que Queiroz repassou cheques de R$ 24 mil para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente alegou desde o início que Queiroz estava devolvendo um empréstimo. — Pergunta para a tua mãe o comprovante que ela deu pro teu pai, está certo? Querem comprovante de tudo — afirmou Bolsonaro ao repórter do GLOBO. O presidente virou-se para outro repórter e questionou: — Você tem nota fiscal desse relógio que está contigo nesse teu braço? Não tem. Não tem. Você tem nota fiscal do seu sapato? Não tem. Você tem do seu carro, talvez nem tenha nota fiscal, mas tem o documento. Tudo tem que ter nota fiscal, comprovante?

"Assédio moral"

Entidades de jornalismo condenaram os ataques. Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) criticou o que chamou de "assédio moral" a profissionais de imprensa: "Atacar jornalistas como forma de evitar prestar informações de interesse público e receber aplausos de apoiadores é ação incompatível com o respeito ao trabalho da imprensa, fundamental para a democracia". Segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), o presidente fez ao menos um ataque à imprensa a cada três dias neste primeiro ano de governo. Em nota, a Fenaj e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF) consideraram os ataques uma forma de desviar a atenção das denúncias que ligam sua família e amigos a atividades criminosas. Ontem, o ministro André Luiz Mendonça, da Advocacia-Geral União (AGU), justificou as declarações como "uma reação humana a uma injustiça". Mendonça disse que "a imprensa tem que ter liberdade, mas deve ter no mínimo compromisso moral com a verdade".

— Você tem que ver isso num contexto onde ele (Bolsonaro) se sente injustiçado e perseguido. É uma reação humana em função de uma injustiça que ele se sente passando — disse. Na saída do Alvorada, Bolsonaro também criticou o Ministério Público do Rio e acusou o órgão de proteger o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), ao afirmar que, "pelo que parece", uma filha do juiz Flávio Itabaiana, do Tribunal de Justiça do Rio, responsável por autorizar as quebras de sigilo e buscas e apreensões no caso, é funcionária fantasma no governo do estado. Em nota, o governo do Rio informou que Natalia Nicolau, filha do juiz, trabalha atualmente na Casa Civil e que sua nomeação ocorreu no dia 1ª de abril, sendo publicada com erro no dia 15 de abril. A ratificação foi divulgada no dia 12 de agosto. Natália é pósgraduada em processo Civil e Direito Civil e trabalhou em escritórios de advocacia. Atualmente, seu salário é de R$ 5.478. Em nota, o governo do Rio ressaltou que a nomeação ocorreu 15 dias antes da distribuição eletrônica do processo de Flávio Bolsonaro.