O Globo, n. 31547, 21/12/2019. País, p. 8

MP: ex—assessores receberam orientação jurídica
Juliana Castro
Bernardo Mello
Juliana dal Piva
Daniel Gullino
Cristian Klein


Na investigação sobre o gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), o Ministério Público do Rio afirma que "a organização criminosa teria providenciado advogados para os envolvidos". Os promotores tomam como base trocas de mensagens da ex-assessora Danielle Mendonça, tratada por eles como uma das funcionárias fantasmas lotadas no gabinete. Nomeada por Flávio em setembro de 2007 e exonerada em novembro de 2018, Danielle foi casada com Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado de ser o homem-forte de organização criminosa de assassinos de aluguel e milícia. As conversas foram extraídas do celular dela, apreendido na Operação Os Intocáveis, desencadeada em janeiro deste ano, para prender milicianos. A investigação envolvendo a prática da "rachadinha" levou à quebra de sigilos bancário e fiscal de 95 pessoas físicas e jurídicas ligadas. Alguns dos ex-assessores, como Danielle, foram chamados para depor ao MP.

Em troca de mensagens com o ex-assessor Fabrício Queiroz, em 16 de janeiro deste ano, Danielle escreve, referindo-se à convocação para falar aos promotores: "Um policial veio aqui na quinta-feira passada. Amanhã será o dia do depoimento". Em outra mensagem, ela afirma: "Eu já fui orientada. Ontem, eu fui encontrar com os amigos".

O MP teve acessoa outros diálogos do dia anterior, quando a ex-assessora conversa como ex-marido. Adriano diz a ela: "O amigo pediu pra vc não ir em lugar nenhum e tbm não assinar nada...". Para o MP, o "amigo" é Queiroz. Em seguida, Danielle responde: "Acabei de sair do advogado indicado". O MP diz tratarse da evidência de que a organização teria providenciado a defesa dos envolvidos. Além de Danielle, a mãe de Adriano, Raimunda Magalhães também foi nomeada por Flávio entre 2016 e 2018. Elas repassaram para Queiroz o equivalente a 40% do que receberam como rendimentos da Alerj. No pedido dos 24 mandados de busca e apreensão de pessoas ligadas a Flávio e exassessores, o MP afirma que o parlamentar lavou dinheiro da rachadinha na loja de chocolates que pertence a Flávio e na compra de imóveis.

PM não lembra

O policial militar Diego Sodré de Castro Ambrósio — que pagou uma prestação de mais de R$ 16 mil do apartamento de Flávio Bolsonaro — disse ontem ao site G1 que fez o pagamento em outubro de 2016 por ser amigo do parlamentar, mas que não se lembra como foi ressarcido. — Eu sei que eu paguei a conta, isso eu sei. Agora como eu fui ressarcido, eu não lembro. Que ele me pagou, ele me pagou. Por ironia do destino, eu pedi os extratos a partir do ano de 2015. Nas primeiras folheadas, eu achei o ano de 2016. Eu fui logo no mês de outubro e achei o pagamento da cobrança. Aí eu vi que eu ressarci minha conta com transferência da minha empresa, ou seja, ele não transferiu para minha conta, entendeu? Então eu subentendi que ele me pagou em dinheiro — disse. Ao descrever as maneiras como Flávio teria lavado o dinheiro, o MP citou Ambrósio. O PM, amigo de Flávio há dez anos, afirma que vai ao MP para prestar esclarecimentos, se for notificado: — O pessoal está fazendo um carnaval, parece que eu pagava contas mensais do cara. Paguei uma conta, pô. O cara tá implicado numa investigação, e qualquer fato ques e relacione a ele tem que ser investigado, e entendo perfeitamente isso. Mas tenho todas as respostas para dar.

O PM diz que o pagamento do boleto ocorreu num churrasco de final de campanha. — Ele pediu para gente sair, para passar num banco, pagar, porque ele estava sem o aplicativo, ou o aplicativo dele estava apagado, alguma coisa aconteceu que ele não ia conseguir paga raconta e ele não queria pagar juros. Aí eu paguei a conta e ele me devolveu o dinheiro depois.

"Acabei de sair do advogado indicado" — Danielle Mendonça, ex-assessora ade Flávio Bolsonaro apontada como uma das funcionárias fantasmas.

Bolsonaro compara Flávio a Neymar: 'Leva mais cliente'

O presidente Jair Bolsonaro comparou ontem o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) ao jogador de futebol Neymar, ao afirmar que seu filho ganha dinheiro na loja da rede de franquias Kopenhagen porque consegue atrair muitos clientes, assim como Neymar, que teria um salário alto porque é o jogador “mais importante”. A loja da qual o senador é sócio foi citada na investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ) sobre o suposto esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). — Acusaram ele (Flávio) de estar ganhando mais na casa de chocolate. O que acontece, quem leva mais cliente para lá, ele leva um montão de gente importante, ganha mais. É mesma coisa chegar para o, deixa eu ver, o Neymar e (perguntar) “por que está ganhando mais do que outros jogadores?”. Porque ele é o mais importante. Não é comunismo — disse Bolsonaro. O Ministério Público do Rio afirma haver indícios de que a loja Bolsotini Chocolates e Café, em um shopping na Barra da Tijuca, no Rio, tenha sido utilizada para lavagem de recursos ilícitos provenientes do esquema de “rachadinhas”. O MP aponta que a loja do senador apresentou uma diferença de R$ 1,63 milhão entre o faturamento auditado pela administração do shopping e o valor efetivamente recebido em suas contas bancárias entre 2015 e 2018.

Ainda segundo a investigação, Flávio e sua mulher Fernanda arcaram com mais de R$ 1 milhão na compra e abertura da loja. Os recursos “não seriam compatíveis com a renda” do casal no período, de acordo com o MP. A sociedade da loja é dividida meio a meio entre Flávio e o empresário Alexandre Santini, que teria atuado, segundo os investigadores, como um “sócio laranja” para camuflar a origem dos recursos. O MP do Rio apurou que, no período de 2015 a 2018, Flávio Bolsonaro retirou cerca de R$ 978 mil como sua parcela de lucros da empresa, quase o dobro dos R$ 506 mil retirados por Santini. Para os promotores, a discrepância na retirada dos lucros e no investimento na empresa são indícios de que Santini possa ter figurado inicialmente nos contratos como “laranja”. Os investigadores chamaram atenção para o alto volume de dinheiro em espécie que ingressou nas contas da Bolsotini em 2015 e 2016. Os aportes coincidem com o período em que “Fabrício Queiroz arrecadava parte dos salários dos assessores na Alerj e tinha disponibilidade de papel moeda em quantia suficiente para efetuar os depósitos ilícitos na conta” loja.

Versão da empresa

Ontem, a Kopenhagen emitiu um posicionamento sobre a investigação. Em nota, a marca afirmou que não “realiza nenhum tipo de auditoria fiscal com seus franqueados”, o que contraria o argumento de Flávio de que não poderia ter cometido crime por meio da loja porque suas contas seriam inspecionadas pela rede. “A marca afirma que possui um amplo manual de normas e procedimentos operacionais, já que preza a padronização de toda a rede de franquias e a garantia de qualidade. Esses aspectos operacionais são auditados pelo grupo a fim de preservar os atributos do ponto de venda, mantendo a excelência dos processos, sem realizar nenhum tipo de auditoria fiscal com seus franqueados, que são pessoas jurídicas totalmente independentes da franqueadora”, diz o texto.

“É mesma coisa chegar para o, deixa eu ver, o Neymar e (perguntar) ‘por que está ganhando mais do que outros jogadores?’” — Jair Bolsonaro, ao comparar o jogador a seu filho, Flávio.