O Globo, n. 31547, 21/12/2019. Mundo, p. 34

Brexit começa a andar



Com uma folga de 124 votos, o Parlamento do Reino Unido aprovou, ontem, o acordo para a saída da União Europeia (UE), abrindo caminho para que o Brexit se concretize no dia 31 de janeiro. A passagem do pacto negociado pelo premier Boris Johnson é uma grande vitória para os conservadores, que conquistaram uma maioria de 80 assentos no Legislativo na semana passada, em um pleito que teve o divórcio da UE como tema prioritário. O acordo de saída foi aprovado por 358 votos a 234, um dia após a rainha Elizabeth II dar início à nova sessão parlamentar. Ele, na prática, aumenta a probabilidade de um Brexit rígido, pois exclui a possibilidade de estender o período de transição para além de dezembro de 2020. Com isso, Londres terá apenas 11 meses para ratificar um novo acordo comercial com a UE — algo que parece improvável de ocorrer.

‘Montéquios e Capuletos’

Em seu discurso de abertura da sessão, o premier disse que a decisão do eleitorado de seguir em frente com o divórcio da UE “não deve ser vista como a vitória de um partido sobre o outro”. Segundo Boris, os termos (saída) e (permanência) — slogans da campanha a favor e contra o Brexit, respectivamente, no referendo de 2016 — são “tão defuntos como os Montéquios e os Capuletos no final da peça [Romeu e Julieta]“e devem ser deixados para trás.

— Agora é o momento de nos unirmos e escrevermos um novo e animador capítulo na nossa História nacional, de formarmos uma nova parceria com os nossos amigos europeus, de nos mantermos de cabeça erguida no mundo — disse o premier.

A aprovação põe fim a um impasse em vigor desde janeiro de 2019, que forçou o adiamento da data para o Brexit em três ocasiões. No início do ano, o texto foi rejeitado pela primeira vez no Parlamento, ainda durante o mandato da conservadora Theresa May —ela renunciou quatro meses depois, após fracassar em aprová-lo em outras duas tentativas. Em outubro, já como substituto de May na chefia do governo, Boris levou o pacto recauchutado à votação, mas também não obteve apoio suficiente. Ele, então, apostou na convocação de novas eleições para aumentar a maioria conservadora, buscando conseguir os votos necessários para aprovar o pacto — aposta que se provou acertada ontem. Os próximos debates sobre o Brexit deverão começar já no dia 7, quando os parlamentares retornarão do recesso iniciado ontem. O documento aprovado ontem teve o apoio de seis trabalhistas que desafiaram a diretriz do líder do partido, Jeremy Corbyn, de votar contra o acordo — outros 32 parlamentares optaram por se abster.

Conta de R$ 208 bilhões

O texto engloba questões como os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido e dos britânicos na UE, as 39 bilhões de libras esterlinas (R$ 208 bilhões) que deverão ser pagas pelo Reino Unido ao sair do bloco e a fronteira irlandesa. Algumas concessões feitas em outubro para atender à oposição, como leis trabalhistas mais abrangentes, foram revogadas.

A saída da UE, no entanto, não será imediata. O acordo prevê um período de transição de um ano, no qual o Reino Unido continuará a seguir as regras europeias sobre tarifas e produtos e se manterá dentro do mercado único europeu. Havia a possibilidade de estender este prazo por um ou dois anos, mas os conservadores o descartaram, argumentando que o limite inflexível “fortalece a posição de negociação” de um novo acordo comercial com a UE. Além das prováveis dificuldades para a negociação de um novo acordo comercial com a UE, Boris também deverá enfrentar dificuldades em questões internas, especialmente no que diz respeito à Escócia e à Irlanda do Norte. Os escoceses votaram contra a saída da UE no referendo de 2016, e o Partido Nacional Escocês (SNP), que ganhou 13 assentos nas eleições do último dia 12, jamais escondeu a vontade de realizar um segundo referendo sobre a independência escocesa —algo que os conservadores se recusam a fazer.

— Aquele prazo (de transição) significa que um Brexit sem acordo, que todos tememos, está bem de volta sobre a mesa —disse o chefe da bancada do SNP, Ian Blackford, referindo-se ao exíguo tempo que país terá para negociar um acordo comercial com a UE.

Questão Irlandesa

A questão irlandesa, por sua vez, é um dos pontos centrais para as negociações do Brexit. A fronteira entre a Irlanda do Norte, parte do Reino Unido, e a República da Irlanda, integrante da UE, será a única ligação terrestre entre o território britânico e o bloco europeu. Os norte-irlandeses não só votaram a favor da permanência em 2016, mas temem os possíveis efeitos econômicos e mesmo um isolamento da região, que apesar de se juntar à união aduaneira britânica, continuará sendo parte do mercado comum europeu.