Correio Braziliense, n.20569, 16/09/2019. Política. p.2

Amazônia dará o tom do discurso na ONU
Rodolfo Costa


O discurso exato do presidente Jair Bolsonaro na abertura da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) está em fase de ajustes finais pelo Itamaraty, mas o tema central é o que agitou o governo nas últimas semanas: a Amazônia. A defesa da soberania brasileira na região amazônica será o cerne do pronunciamento do chefe do Executivo federal, que abre, oficialmente, a cerimônia, no dia 24. Alfinetadas ao presidente da França, Emmanuel Macron, que sugeriu a internacionalização da área, estarão nas entrelinhas. No Palácio do Planalto, dizem que a ideia é evitar um desconforto diplomático, ou seja, não tecer críticas nominais a quem quer que seja. Isso inclui a alta comissária de Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet.

A resposta a Macron e a outros chefes de Estado a quem, em algum momento, Bolsonaro deu declarações controversas — e, por vezes, atravessadas —, será feita mediante explicações sobre o que o Brasil tem feito para controlar os incêndios na Amazônia. Sustentará ainda que as queimadas não são tão graves, além de outras medidas relacionadas à fiscalização e ao combate ao desmatamento ilegal. A reação a Bachelet, com quem travou embates recentemente, será feita por meio da citação de queda de homicídios no Brasil em cerca de 20% no primeiro semestre.

Além de medidas para proteger a soberania, Bolsonaro reforçará ainda uma visão de proximidade do Brasil com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), destaca o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). “O presidente certamente terá um grande destaque na defesa a essas matérias, com uma visão altiva e independente em relação à ONU”, sustenta.

O presidente defenderá ainda a democracia e as instituições, tema com que ele deve alfinetar o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e procurar desmistificar a imagem de um governo autoritário e não democrático que algumas nações possam ter. Nessa toada, ele reforçará os feitos que o governo, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) têm feito pelo país, como a aprovação da reforma da Previdência. O aceno tem por objetivo mostrar os esforços brasileiros para a retomada econômica, em sinalização à busca por investimentos estrangeiros.

O aceno em busca dos recursos estrangeiros será feito na dose certa, mas é certo que a ideia ufanista de defesa à soberania brasileira na Amazônia estará no centro das atenções. E Bolsonaro fará isso com um viés protecionista, mas mais simbólico do que comercial. Em entrevista ao Correio, publicada ontem, o presidente em exercício, Hamilton Mourão, deu o tom do que pode esperar do discurso. “Eu acho que o recado número um (será de que) a Amazônia é nossa. Isso aí, não podemos admitir, em hipótese alguma, essa questão de soberania limitada ou uma ingerência além daquilo que os tratados internacionais, ao qual o Brasil subscreve, prevê. Então essa é uma. O segundo recado: ela é nossa e compete a nós protegê-la e preservá-la. Acho que são as duas mensagens que ele (Bolsonaro) tem que integrar”, destaca.

Riscos

A ênfase à Amazônia é destacada pelo ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, Augusto Heleno. Para ele, é positivo que o mundo esteja observando o Brasil no momento do discurso. “As informações sobre a Amazônia, na maioria do mundo, são tão precárias, são tão ingênuas, são tão desprovidas de conteúdo, que é ótimo que se voltem para o Brasil, que voltem os olhos para o que é a Amazônia e o que representa a Amazônia para o Brasil. Primeira coisa tem que deixar muito claro que não tem esse negócio de que a Amazônia é o patrimônio da humanidade”, comentou, em entrevista à Rede Vida.

O Itamaraty monitora o risco de boicote ao discurso de Bolsonaro, mas não demonstra preocupação. Ao Correio, comunicou que os movimentos serão ignorados. Internamente, no entanto, o Ministério das Relações Exteriores está dividido. O gabinete do chanceler, Ernesto Araújo, acompanha de forma mais pragmática as ameaças. Núcleos não tão próximos, entretanto, veem com preocupação a possibilidade de boicote a produtos brasileiros por parte de consumidores e empresas internacionais, como retaliações à importação de couro brasileiro.

Os boicotes não devem trazer tanto impacto prático, mas mostrarão uma mudança mais radical à imagem multilateralista que o Brasil transmitia até 2018, pondera o analista político Ricardo Mendes, sócio-diretor da Prospectiva. “Não acredito em uma repercussão muito grande, mas, de qualquer forma, devemos ver alguma mobilização. Será um discurso relativamente curto, onde tentará ressaltar coisas sendo feitas e a agenda positiva e aberta a negócios”, pondera.

O cientista político Lucas Fernandes, analista político da BMJ Consultores, concorda com a previsão. “O risco não é tão elevado. França, Irlanda e Luxemburgo devem se retirar, mas não acho que será um movimento acompanhado por delegações de outras grandes lideranças mundiais. Não será algo visto em grandes proporções”, avalia.

Frase

"O presidente certamente terá um grande destaque, com uma visão altiva e independente em relação à ONU”

Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara